
Antes de iniciar a leitura, faço duas ressalvas.
A primeira: o tema deste artigo, idealmente, se encaixaria melhor na coluna da minha colega Déborah Almada, que escreve sobre imagem e reputação. Mas, como o que aconteceu foi algo totalmente fora do tom, título da minha coluna, darei meus pitacos também.
A segunda: não espere profundidade. O fim de ano pegou e já estou desacelerando para questões mais densas e filosóficas. Este texto é, assumidamente, cinco centavos de opinião sobre o assunto.
Dito isso, sabe aquele momento em que duas burrices se encontram e fazem uma festa? Com o perdão da franqueza, não vejo expressão melhor para explicar a polêmica que pipocou no nosso feed neste domingo.
Para quem não sabe do que estou falando (provavelmente não tem rede social), a Havaianas, dona da sandália que habita os pés de milhões de brasileiros, resolveu fazer uma campanha de Ano Novo que dizia mais ou menos o seguinte: “não quero que você comece 2026 com o pé direito. Quero que comece com os dois pés…”, e por aí vai o texto, dito pela atriz Fernanda Torres, cuja imagem pública e preferências políticas escancaradas, a propósito, colaboram bastante para a repercussão histérica do comercial.
Do ponto de vista da criação publicitária, é uma peça inteligente, bem escrita, que brinca com uma crendice popular. Um daqueles trocadilhos motivacionais que a publicidade adora usar para fechar o ano.
Só que a empresa ignorou (ignorou mesmo?) que a polarização política virou religião e que, nesse ambiente, até sandália pode virar campo de batalha.
O curioso nisso tudo é que a Havaianas, uma empresa capitalista gigante, que vende produtos para gente de todas as orientações políticas, aparentemente não calculou que um slogan inocente pudesse ser interpretado como ataque político.
É aí que entra a primeira burrice: a da marca, por não dimensionar a própria campanha.
Até segunda ordem, a Havaianas errou feio ao apostar em uma pegadinha de linguagem que, em um país polarizado como o Brasil, viraria combustível para gente que acorda de manhã já procurando ofensa em cada letra.
Quem trabalha com marketing de forma profissional precisa calcular tudo, inclusive a possibilidade de alguém interpretar qualquer coisa como mensagem ideológica. Alguém na equipe deveria ter lembrado que, em 2025, na terra do “tudo vira briga”, até pé direito vira munição.
A segunda burrice (essa, cognitiva) desse episódio é ainda mais curiosa: a da própria galera que se indignou e começou a convocar boicote.
Não é curioso quando alguém acha que marcas têm alma e ideologias próprias? Algumas até têm. Mas é inconcebível imaginar que uma empresa desse tamanho opere como se tivesse projeto político. Como se a Havaianas fosse um plano de governo disfarçado de sandália. Ou como se uma empresa que lucra vendendo borracha pudesse, de repente, “tomar partido de um lado” em plena véspera de Ano Novo.
Sim, surgiram hashtags de boicote e vídeos inflamados pedindo que conservadores joguem suas Havaianas no lixo. Influenciadores políticos viralizaram conclamando seguidores a descartar os produtos e trocar por outras sandálias.
Do ponto de vista político e do engajamento digital, é até compreensível que influenciadores de direita explorem essa narrativa e distorçam os fatos. Eles estão apenas fazendo política, surfando na indignação alheia e alimentando o próprio público.
Mas, sejamos honestos: achar que uma empresa desse porte faria campanha “pra esquerda” beira o surreal.
E tem mais um detalhe importante: a Havaianas acabou ocultando o vídeo de seus canais oficiais depois do barulho. O que só reforça algo óbvio: mesmo sem intenção política, a marca preferiu evitar desgaste. Porque marketing funciona em números e vendas, não em narrativas partidárias.
O episódio é um ótimo retrato de como consumimos símbolos hoje:
– a marca que “errou” por ingenuidade comunicacional;
– o público que “errou” por achar que todo gesto cultural é uma declaração de guerra política;
– e os políticos de direita que surfaram no episódio, usando o caso como pretexto para alimentar narrativas de “vitimização ideológica”.
No fim das contas, essa história mostra que vivemos em um ambiente em que uma simples sandália pode virar símbolo ideológico e um slogan bobo pode ser lido como jogada político.
Sinceramente? Se você realmente acha que uma sandália decidiu tomar partido político, talvez esteja interpretando o mundo como se fosse uma campanha eleitoral permanente. E aí, meu amigo, a burrice está dos dois lados da história.






