O Brasil coleciona tratados internacionais como quem carimba passaporte — mas, na bagagem, sempre tem uma “surpresinha” que ameaça pesar no agro. O acordo com entre Mercosul e EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio) abre portas e zera tarifas, mas, ao mesmo tempo, a União Europeia ajeita suas próprias regras para apertar o cerco às exportações brasileiras. É o jogo das cartas marcadas: ora se brinda ao livre comércio, ora se inventam salvaguardas para proteger o velho continente.

Trunfo diante do tarifaço
O Brasil assinou na terça (16) um acordo de livre comércio entre Mercosul e EFTA, bloco formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. Resultado: 99% das exportações brasileiras para esses países circularão sem tarifas.
Agro no lucro
A jogada interessa — e muito — ao agro. Carnes bovina, suína e de frango, café torrado, frutas, sucos, arroz e até mel entram na lista dos produtos que chegam “na faixa” a mercados de alto poder aquisitivo. Até o famoso prelisting foi incluído, agilizando inspeções de cargas de origem animal.
Made in Brazil protegido
O tratado também garante a proteção de 63 indicações geográficas nacionais, fortalecendo o selo made in Brazil. Mercosul e EFTA somam quase 300 milhões de consumidores e PIB de mais de US$ 4,3 trilhões. Só em 2024, o comércio bilateral movimentou US$ 7,1 bilhões. A previsão é de ao menos dobrar esse valor com o novo acordo, que ainda precisa de ratificação nos parlamentos.
A “surpresinha” europeia
Enquanto isso, o Acordo Mercosul-UE vem com um aditivo nada simpático: a Comissão Europeia criou uma regra interna que permite acionar salvaguardas sempre que houver aumento de 10% nas importações ou queda de 10% nos preços. E pode fazê-lo unilateralmente, sem precisar ouvir o Mercosul. Na prática: mais burocracia e risco de tarifaço contra os produtos brasileiros.
Jogo de bilhões
O agro brasileiro teme ser punido, justamente, por ser competitivo. Se vender mais barato e em maior volume, vira alvo. A resposta pode ser o Brasil adotar medidas semelhantes — o que transformaria a mesa de negociações num verdadeiro jogo de bilhões, onde não há espaço para amadorismo.
Santa Catarina na frente
Na visão do Secretário de Articulação Internacional e Projetos Estratégicos de Santa Catarina, Paulo Bornhausen, em artigo publicado aqui no Upiara, Santa Catarina já entendeu o jogo. O governador Jorginho Mello articulou com países europeus e colocou o estado na frente de grandes negociações. Em dez anos, 82% dos produtos agrícolas catarinenses terão tarifa zero no mercado europeu.
COP 30 sem clima
No tabuleiro nacional, a Sociedade Rural Brasileira e lideranças do agro atuam para impedir que o governo apresente o Plano Clima na COP 30, em Belém (PA). O temor é que um plano apressado vire munição para novas barreiras comerciais. Mas a decisão corre contra o relógio: o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima pode aprová-lo já no dia 25.
Estratégia no Tabuleiro
Entre acordos cheios de promessas e cláusulas escondidas, o agro brasileiro precisa mais do que eficiência no campo: precisa de estratégia no tabuleiro global. Porque, se as regras mudam no meio da partida, só vence quem sabe jogar duro, sem virar a peça descartável do jogo.