
Desde que a gestão Topázio Neto (PSD) admitiu a possibilidade de venda, depois formalizada em projeto de leilão enviado à Câmara de Vereadores, a antiga rodoviária de Florianópolis virou pivô de uma polêmica na cidade – com disputas judiciais e embates ideológicos envolvendo o destino da propriedade. A “novela” sobre a área na avenida Mauro Ramos, no entanto, parece estar longe do fim.
Duas questões principais vem sendo tratadas no Judiciário. Uma delas é a necessidade de demolição imediata da estrutura por conta das condições de segurança. Durante nova vistoria realizada em 30 de julho, o promotor Fabrício José Cavalcanti, da 30ª Promotoria de Justiça da Capital, afirmou que a situação é grave e que requer uma “solução urgente”.
Em manifestação protocolada na sexta-feira (8) junto à 3ª Vara da Fazenda Pública, divulgada em primeira mão pelo colunista Upiara Boschi, Cavalcanti pede autorização para a imediata demolição do complexo, “com a devida remoção de entulhos e medidas de segurança no entorno”.
Com base em laudo da Defesa Civil, o promotor aponta “risco iminente de desabamento, com potencial de causar vítimas fatais entre os frequentadores irregulares do local, moradores em situação de rua e transeuntes que circulam pelas vias públicas adjacentes”. A medida cautelar que proibia a derrubada do imóvel, obtida pela 28ª Promotoria, teria perdido efeito no sábado (9) pela falta da entrada da ação principal no prazo de 30 dias.
O outro imbróglio judicial é relacionado à duplicidade de matrículas – estadual e municipal – do imóvel, o que paralisou a tramitação, no Legislativo da Capital, do projeto da prefeitura que pede aval dos vereadores para a venda por meio de um leilão.
Topázio destaca que o governo Jorginho Mello (PL) “abriu mão do imóvel”, em referência a um PL enviado à Alesc, já aprovado e sancionado em 18 de julho, que autoriza o Estado a reconhecer o registro pelo município no decorrer do processo. Só que a transferência da titularidade não é automática e nem tão simples assim. Depende da autorização do juiz da ação.
Em paralelo, há a mobilização do grupo que defende a relevância do prédio para a cidade e, portanto, sua permanência e revitalização com uso público do espaço. Em contraponto a Topázio, que já falou que “de histórico o imóvel não tem nada”, o Instituto dos Arquitetos Brasileiros (IAB/SC) entrou com pedido formal de tombamento municipal e estadual do complexo com o objetivo de “perpetuar a sua presença na identidade urbana de Florianópolis”.
O dossiê técnico que pede a preservação da edificação, construída inicialmente como mercado público municipal, destaca cinco pontos:
“_ A singularidade da ambiência e marco urbano que representa, com implantação única, em quadra triangular, com localização privilegiada na confluência de duas avenidas estruturadoras da malha urbana, com identidade própria estabelecendo escala urbana humana e diferenciada, em meio à crescente paisagem verticalizada do centro de Florianópolis;
_ Ser um “edifício-quadra” marco arquitetônico na cidade, de linguagem moderna, sendo uma das primeiras referências do movimento construídas localmente, ainda na década de 1950, configurando o início de um processo de modernização que a cidade e o estado de Santa Catarina iriam passar;
_ A tipologia e autoria arquitetônica, um dos tantos projetos do notório arquiteto Roberto Félix Veronese passando a ser parte integrante do conjunto de obras projetadas pelo destacado profissional, professor da UFRGS e arquiteto que influenciou a “arquitetura moderna no Sul do Brasil;
_ Que a edificação incorpora tecnologias de vanguarda, até então inéditas na cidade, representadas pelo uso de arcos em concreto armado, que possibilita a existência de grandes vãos, fechamentos das empenas curvas externas em elementos vazados, tipo cobogó, sequência de coberturas abobadadas, elementos definitivos da modernidade na arquitetura mundial na época;
_ Que por se configurar como edificação de uso público, desde sua concepção, deve permanecer como tal, servindo aos cidadãos da cidade, sendo devidamente restaurada, sua arquitetura preservada, e espaços reciclados assumindo novos usos”
No final de julho, o Movimento Traços Urbanos divulgou um manifesto de apoio à preservação do prédio: “A antiga rodoviária é uma edificação de valor arquitetônico e simbólico. Trata-se de um exemplo de arquitetura moderna, inserida em uma localização privilegiada da cidade, que carrega memória e significados coletivos. Preservá-lo e adaptá-lo a novos usos é uma forma de qualificar o espaço urbano, ampliar a oferta de equipamentos públicos e contribuir para a segurança e vitalidade do centro da cidade”.
A destruição da estrutura, de acordo com o movimento, significaria “não apenas a perda de um patrimônio físico, mas o apagamento de parte da identidade urbana de Florianópolis”.
Em oficina realizada pelo Traços Urbanos, foram desenvolvidas, inclusive, propostas preliminares de reaproveitamento do espaço, voltadas à implantação de atividades culturais, de lazer, comércio e serviços. As ideias, segundo o texto, se alinham “com experiências de sucesso em outras cidades brasileiras, como o Mercado Novo, em Belo Horizonte, e o Sesc Pompéia, em São Paulo — exemplos concretos de como edifícios públicos modernistas podem ser ressignificados como polos culturais e sociais vibrantes, sem perder sua memória ou relevância histórica”.
CONFIRA AS DUAS PROPOSTAS PARA A REVITALIZAÇÃO DA ANTIGA RODOVIÁRIA DE FLORIANÓPOLIS

