Artigo de Victória Borges, Presidente do PSol Florianópolis

“Às mulheres brasileiras, que me cobriram de flores e de carinho, peço que acreditem que vocês podem. As futuras gerações de brasileiras saberão que, na primeira vez que uma mulher assumiu a Presidência do Brasil, o machismo e a misoginia mostraram suas feias faces. Abrimos um caminho de mão única em direção à igualdade de gênero. Nada nos fará recuar.” (Dilma Rousseff)
A prisão, ainda que domiciliar, de Bolsonaro me fez pensar muito mais em Dilma do que em Bolsonaro. Imediatamente, senti a dor que sentíamos ao assistir e lutar contra, em 2016, o processo de golpe contra a presidenta eleita. Aquilo não foi apenas uma manobra jurídico-parlamentar: foi uma expressão brutal de como o machismo opera na política brasileira, como estratégia, discurso, ideologia e poder.
O golpe foi também um recado: o sistema político não suporta mulheres no poder. E, diante da barbárie bolsonarista que se seguiu, compreendemos melhor o que já sentíamos: não estávamos loucas. A cena de um deputado homenageando o torturador de Dilma revelou o nível de crueldade permitido quando é uma mulher que ousa ocupar o poder.
Nos últimos anos, a política institucional brasileira se revelou um palco de intensificação das violências misóginas, fortalecido diretamente pela ascensão do neofascismo. Mas há ironias históricas difíceis de engolir. Um dos nomes mais atacados hoje pela direita é Alexandre de Moraes, o mesmo indicado ao STF por Michel Temer logo após o impeachment de Dilma. Alexandre, pra esquerda, não representa uma ruptura com a velha política: é produto dela. E hoje ele cumpre um papel central na contenção da extrema direita. Sua nomeação é parte da engrenagem que se consolidou após um dos maiores episódios recentes de ataque à democracia brasileira.
Por isso, enquanto a prisão domiciliar de Bolsonaro parece insuficiente, diante da morte de mais de 600 mil pessoas, do desmonte das políticas públicas e do enraizamento do ódio, cada passo rumo à responsabilização dele tem um gosto diferente para nós mulheres. Porque fomos nós quem mais sofremos com o projeto de morte bolsonarista: nos nossos corpos, nas nossas casas, nos nossos filhos. Sabemos quantas mães morreram, quantas ficaram sozinhas, quantas foram responsabilizadas pela miséria social imposta pelo desgoverno Bolsonaro.
A política institucional dilacera mulheres todos os dias. O capital, modelo dos homens, é uma máquina de esmagar mulheres. Por isso, não basta falar em representatividade dentro de um modelo que nos marginaliza e coisifica. É preciso romper. Criar outro horizonte, onde o poder não seja ferramenta de opressão, mas de emancipação coletiva.
Um projeto político para os 99% precisa emergir dos 99% e as mulheres têm sido vanguarda nessa construção. A luta feminista tem acertado, com precisão, ao nomear as estruturas de poder que nos violentam. Acerta ao lembrar que a maioria da classe trabalhadora é composta por mulheres negras, periféricas, LGBTQIA+, mães solo. Acerta ao denunciar que a emancipação feminina exige o rompimento radical com a economia do cuidado explorado, não remunerado e invisibilizado. E acertou ao ser linha de frente da resistência ao neofascismo no Brasil. Começou com o Fora Cunha, se agigantou no #EleNão e segue consolidando a nossa luta, sustentando mulheres nos espaços de poder e elaborando políticas sérias e combativas para a classe trabalhadora. Ainda assim, seguimos na defesa das nossas, como Manuela D’Ávila, Érika Hilton e tantas outras que resistem cotidianamente à violência política de gênero. E na memória de tantas outras que hoje não estão com a gente, como Marielle Franco.
Hoje, o novo conservadorismo, alimentado pelas big techs, pelos algoritmos e pelo fenômeno redpill, cristaliza uma ideologia misógina que transforma o ódio às mulheres em projeto político. O feminismo precisa continuar sendo trincheira teórica e prática para enfrentar esse processo.
Quando lutamos pelo fim da escala 6×1, pela isenção do imposto de renda sobre salários baixos, pela taxação dos super ricos, pela valorização do cuidado, estamos fazendo luta feminista. Quando denunciamos que mulheres vivem na escala 7×0, sem descanso, sem valorização, sem retorno, é porque anunciamos que estamos construindo um novo futuro, porque neste sistema, nós já perdemos em todas as esferas.
Bolsonaro precisa ser responsabilizado por cada crime que cometeu. Mas sua prisão não é o fim para a superação da extrema direita. Os mesmos que lutamos contra, há 10 anos, que nos tiraram direitos reprodutivos, que dissolveram políticas públicas e fizeram o Brasil se tornar o país que mais mata pessoas trans no mundo. Esses algozes que lá estavam, ainda são os mesmos. Ainda ditam as regras do jogo, sequestram a agenda do governo e tentam, cotidianamente, acabar com a gente.
É preciso construir uma agenda de lutas no combate à extrema direita, assim como fizemos nos atos em defesa da soberania nacional. Nós temos coragem para dizer qual futuro queremos. E esse futuro precisa nascer do feminismo, do ecossocialismo, do antirracismo, não como adendos, mas como fundações. Um novo horizonte precisa ser escrito por nós. Presidenta Dilma, não recuaremos!