Chefs de Santa Catarina revelam suas apostas para a gastronomia em 2026

Prever o futuro da gastronomia vai muito além de analisar algoritmos, exige sentir os bastidores das cozinhas, observar quem produz e entender os novos desejos de quem se senta à mesa. Para tentar descobrir o que 2026 nos reserva, convidei chefs de destaque que atuam em Santa Catarina para compartilhar suas perspectivas. A minha percepção como cliente, que se confirma no olhar de alguns desses profissionais, é a de que o mercado da saúde e bem-estar e a tendência de pequenos pratos para compartilhar são movimentos inegáveis que continuam moldando o setor. 

Felipe Silva – Osli Restaurante, do LK Design Hotel (Florianópolis)

Felipe Silva - Divulgação
Felipe Silva – Divulgação

“Comer bem deixa de ser sobre surpresa e passa a ser sobre sentido”. Para Felipe, a gastronomia caminha para uma mudança clara de comportamento em 2026. Após anos de excessos e pratos pensados para impacto visual, o consumidor agora busca experiências conectadas ao tempo, ao território e à memória afetiva. 

A tendência continua valorizando ingredientes sazonais, processos simples e histórias reais. O prato não precisa ser complexo, mas precisa ter propósito. Dentro desse cenário, alguns ingredientes ganham destaque por simbolizar esse novo olhar e o figo surge como um dos principais. O figo é delicado e intenso, não aceita pressa e funciona tanto no doce quanto no salgado, vai bem com queijos, carnes, folhas amargas e produtos curados, sempre trazendo elegância natural. É um ingrediente que remete à mesa compartilhada, ao verão. Mais do que uma tendência, o figo representa um comportamento: cozinhar com respeito ao ingrediente, à estação e à origem. “No próximo ano, a gastronomia não quer impressionar, quer conectar e o figo traduz esse movimento com simplicidade e profundidade”, afirma Felipe. 

Léo Abreu – Por Dios Tapas y Bodega – Abreus Pizza Shop – Armando Pasta Bar – (Florianópolis)

Léo Abreu - Divulgação
Léo Abreu – Divulgação

O que Léo visualiza para o próximo ano é apostar na informalidade, algo que ele já vem implementando no Abreus, onde o vinho é servido no copo de papel e ele acaba vendendo mais vinho por lá do que a soma de suas duas outras operações. “A formalidade vende muito bem desde que o produto seja muito bom”, diz Léo.

Também teremos cada vez mais cardápios enxutos e inteligentes com pratos menores e compartilháveis, permitindo que o cliente tenha a experiência de provar boa parte deles.

Em relação à sua nova operação, o Armando, ele busca explorar o que tem na nossa região, no Estado de Santa Catarina, mesclando clássicos com um toque autoral, partindo sempre de ingredientes locais e pequenos produtores.

“O que tenho pensado bastante é que recebemos visitantes do Brasil inteiro e do mundo aqui em Florianópolis, então qual o sentido de eu oferecer um vinho espanhol no meu restaurante, sendo que estou no Brasil e o que a pessoa quer quando viaja é conhecer algo local”, finaliza.

Bruno Demiciano – Botic Restaurante, do Hotel Villa do Vale (Blumenau)

Bruno Demiciano - Divulgação
Bruno Demiciano – Divulgação

Rumo a 2026, Bruno observa que o mercado de bem-estar (wellness e fitness) ganhará ainda mais protagonismo, especialmente no setor hoteleiro, sua principal área de atuação. Essa tendência vem se consolidando com força: menus mais saudáveis que priorizam a redução de gorduras e carboidratos sem abrir mão do sabor. O foco está no equilíbrio entre proteínas magras e gorduras de qualidade, como azeites e nozes.

É interessante notar como esse movimento é impulsionado, inclusive fora da bolha gastronômica, pelo uso crescente das canetas emagrecedoras como mounjaro e ozempic. Em resposta, a aposta da alta gastronomia recai sobre pratos menores, mais frescos e equilibrados, unindo técnica e qualidade. 

Alinhado a essa visão, Bruno desenvolveu um prato-teste para 2026: atum fresco acompanhado de nozes caramelizadas, coalhada (fonte boa de gordura e proteína), tomates assados e azeite de ervas. O toque de crocância fica por conta de um tempurá de salsinha, utilizado de forma comedida para manter a leveza da proposta. 

Thalyta Koller – Rocca Restaurante (Florianópolis)

Thalyta Koller - Divulgação
Thalyta Koller – Divulgação

“Eu acredito que a experiência completa, não apenas a comida, mas todo o contexto, influencia cada vez mais a decisão de um cliente visitar um restaurante. O cliente está mais envolvido com um bom serviço, o tipo da música, o estilo do lugar e a comunicação que o estabelecimento transmite”, diz Thalyta.

A chef trabalha com a base da cozinha francesa com um toque autoral criativo, mas também está de olho nesse novo mercado wellness que continua crescendo. Esse nicho é focado na saúde, em pratos menores, mais leves e menos pesados. Creme de leite ou manteiga podem estar incluídos nas preparações, mas sem exageros, para que a pessoa não termine a refeição com uma sensação pesada e consiga chegar até a sobremesa.

“O que eu gostaria muito que fosse uma tendência, mas que ainda vemos pouco, são os restaurantes com desperdício zero e reaproveitamento de insumos 100%. Isso envolve outros elementos e uma grande parte de gestão. Espero um dia poder chegar lá, já que é uma construção que demanda bastante tempo e planejamento. Espero que, no futuro, essa possa ser uma tendência firme”.

Ruan Félix – Personal Chef (Florianópolis)

Ruan Félix - Divulgação
Ruan Félix – Divulgação

O personal chef Ruan Félix já esteve à frente do Casa Magá, em Florianópolis, como forte representante da cozinha de vegetais. No restaurante, criou pratos com muito sabor e que valorizavam os ingredientes, como os quiabos tostados ao molho de amendoim e missô. Para ele, com o forte debate atual em torno do que é comida de verdade, as tendências em alimentação vão seguir um caminho cada vez mais próximo da natureza. “Falando sobre meu nicho, eu vejo que o interesse por proteínas vegetais vem crescendo, mas com a exigência de menos ultraprocessamento e mais ingredientes reconhecíveis do jeito que eles são.” Fica para trás a ideia de imitar a carne a qualquer custo, a fim de valorizar o que nasce da terra. 

“Muito também tem se falado sobre saúde intestinal e principalmente sua ligação com nosso cérebro. Acredito também que processos fermentativos como kimchi e tempeh sigam firmes na mesa, como aconteceu esse ano.”

Além disso, mesmo não sendo um hábito cultural brasileiro, Ruan consegue enxergar as algas marinhas como uma possível tendência na alimentação, principalmente em cidades costeiras como Florianópolis, onde o consumo intenso já vem acendendo um alerta para o esgotamento de recursos como as ostras. O cultivo de algas poderia surgir como alternativa viável e necessária, além de serem nutritivas, sustentáveis e com um toque natural de umami. “Acredito que elas apontem caminhos mais equilibrados para o futuro da alimentação”, afirma Ruan.

Gabriel Aguilar – The UvvA Wine Bar – Biombbo – Aspas Restaurante (Itajaí)

Gabriel Aguilar - Divulgação
Gabriel Aguilar – Divulgação

Gabriel aposta no fortalecimento do conceito de small plates em mais operações de forma geral.  Ele vê um movimento cada vez maior de pessoas em busca de experiências mais fluidas, menos engessadas e mais compartilháveis. Pratos menores permitem experimentar mais sabores em uma mesma refeição, estimulam a socialização e a conversa e oferecem mais liberdade tanto para o cliente quanto para o chef.

“Esse formato dialoga diretamente com um consumo mais consciente: reduz desperdícios e valoriza técnica, produto e criatividade, conceitos que valorizo muito nas nossas cozinhas. Para mim, é menos sobre quantidade e mais sobre qualidade, identidade, experiência, narrativa e conexão. Pratos menores e marcantes permitem arriscar mais, testar ideias, misturar técnicas e referências, sem a obrigação de um prato grande e definitivo. É um formato que funciona quase como um laboratório criativo, onde é possível contar várias histórias dentro de uma mesma refeição e, para o cliente, a experiência se torna ainda mais leve, curiosa, compartilhada e divertida”, finaliza. 

Rafael Sinko – Bonomi Restaurante (Florianópolis)

Rafael Sinko - Divulgação
Rafael Sinko – Divulgação

“Eu sempre busquei a simplicidade”, afirma Rafael. Atualmente, as pessoas estão exaustas do excesso de informações e têm até retornado ao analógico. Ele sente que a tendência gastronômica de agora em diante, algo que já vem ganhando força há alguns anos, estará focada na redução de ingredientes, limitando-se a apenas três elementos e apresentações mais minimalistas. Para ele, a alta gastronomia funciona como a moda: os restaurantes estrelados e os topos das listas ditam as tendências e a valorização do ingrediente puro está cada vez mais em evidência.

Dani Damasceno – Awasi Santa Catarina (antigo Ponta dos Ganchos) – (Governador Celso Ramos)

Dani Damasceno - Divulgação
Dani Damasceno – Divulgação

A aposta da chef Dani Damasceno é uma gastronomia cada vez mais conectada aos pequenos produtores, pautada pela consciência climática, sustentabilidade e respeito aos ingredientes. Uma cozinha que traduz bem-estar e nutrição sem abrir mão do conceito de comfort food e dos sabores que despertam memórias e afeto. De acordo com Dani, “cozinhar será um ato de cuidado: com as pessoas, com o território e com o futuro, por meio de pratos que acolhem, nutrem e contam histórias”.

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