O Chile chega a esta eleição como quem tenta se encontrar depois de anos cheios de tensão. Nada parece completamente definido, mas existe a sensação de que o país está diante de uma escolha que vale mais do que apenas um novo governo. Pela primeira vez depois de tanto tempo, todos são obrigados a votar. Isso muda a dinâmica inteira. Milhões de pessoas que não participavam agora entram na conversa, trazendo outras percepções, outros medos, outras esperanças. E as campanhas precisam falar com esse Chile ampliado, um Chile que se informa rápido, sente rápido e decide rápido.
É nesse ambiente que Jeannette Jara cresceu com uma força difícil de ignorar. Nos seus próprios canais, dominou a disputa do começo ao fim. Foram mais de três milhões de engajamentos orgânicos no Instagram, contra pouco mais de quinhentos mil dos adversários. Não é pouco. Mostra que ela conseguiu tocar um país que, mesmo confuso, reconhece consistência quando vê. E parte disso vem da Tía Jeannette, que virou uma espécie de símbolo dessa campanha. A personagem surgiu simples, quase doméstica, mas acabou se tornando um fenômeno. Cresceu tanto que ganhou um prêmio internacional importante da área de comunicação política, como se alguém de fora estivesse confirmando o que o eleitor chileno já tinha percebido: havia ali verdade, humor, humanidade. E isso faz diferença num país cansado de tanto barulho.
O restante das candidaturas tenta se mover nesse mesmo terreno sensível. Kast ajustou o tom, buscando parecer firme sem parecer endurecido demais. Kaiser fala direto e rápido, colando na impaciência de quem sente que a política tradicional anda lenta demais. Matthei aposta na leveza. Parisi segue distante, mas presente o suficiente para manter um público fiel. Cada um tenta decifrar o humor social, mas há algo mais profundo acontecendo, e profissionais de comunicação no Chile têm lido isso com muita precisão.
A consultora Alejandra Ramos descreve este momento com clareza rara. Ela enxerga um Chile polarizado, mas cansado de exageros. Um país que vê a direita avançar, mas também percebe que esse avanço vem amparado num discurso que simplifica demais os problemas: transformar insegurança em slogan, transformar imigração em ameaça generalizada, transformar direitos sociais em obstáculos ao progresso. Para ela, Jara aparece como uma alternativa séria num cenário que ficou raso demais. Representa estabilidade, justiça social, continuidade dos avanços que boa parte da população reconhece no cotidiano. É uma candidatura que conversa com o futuro sem jogar fora o que já foi conquistado. E essa leitura tem peso porque não é feita de longe: é feita por quem acompanha o debate público chileno de dentro, no detalhe.
Ao lado dela, Javier Pardo reforça o ponto que pode definir toda a disputa: a maneira como Jara se sai na primeira volta. Se chega perto dos 40 por cento, ou passa disso, entra no segundo turno com fôlego, com clima, com narrativa. Não é só matemática eleitoral. É a construção simbólica da vitória. Mas, se o resultado for apertado, o jogo ganha outra cara e a direita entra mais confortável. No caso de Jara não bastará vencer. Será preciso convencer.
E tudo isso acontece enquanto segurança e imigração continuam no centro da conversação pública. Não porque tenham sido empurradas para lá, mas porque fazem parte do cotidiano de maneira direta. As pessoas falam disso no celular, nos vídeos que compartilham, nos comentários que deixam, nos medos que verbalizam. As redes não criam essa percepção. Apenas mostram como ela se espalha. E, agora que todos são obrigados a votar, essa percepção vira parte decisiva da política.
O Chile, no fim, está decidindo mais do que um presidente. Está decidindo como quer seguir adiante depois de anos de intensas mudanças. Pode escolher o caminho da tensão permanente ou pode escolher algum tipo de calma. Pode optar por discursos que apostam no medo ou por projetos que tentam organizar a vida sem destruir o que já deu certo. E talvez seja isso que torna esta eleição tão viva. O país não está apenas escolhendo um líder. Está escolhendo a si mesmo.





