As fortes chuvas que voltaram a atingir Santa Catarina e o Rio Grande do Sul ao longo de todo o fim de semana e seguiram ontem, 24, reforçam uma realidade que o agro já compreendeu antes do Estado: clima extremo não é exceção, tornou-se rotina.

Somente nas últimas horas, Joinville e municípios do Vale do Itajaí registraram acumulados superiores a 100 milímetros, com alagamentos, suspensão de aulas, vias bloqueadas e alerta de deslizamentos emitido pela Defesa Civil.
No Rio Grande do Sul, o cenário se repete: enxurradas, granizo de grande porte, perdas agrícolas e reconstrução contínua.
O fenômeno se repete com tal frequência que já não cabe mais a expressão “evento isolado”. A equação mudou: o clima não está mais em transição, ele já mudou.
E quando a política pública chega só depois do impacto, ela deixa de ser solução e passa a ser reação – lenta, cara e, quase sempre, tardia.
Entre o clima e o comércio internacional, o Brasil já não tem espaço para atuar de forma reativa. Tanto a segurança produtiva no campo quanto a competitividade externa dependem de planejamento e previsibilidade.
Seguro rural – quando o clima corre mais rápido que o Estado
Se houve um ponto de convergência entre debates na COP30, audiências no Senado e reuniões técnicas no Ministério da Agricultura, foi a constatação de que o Brasil não dispõe mais do luxo de tratar o seguro rural como instrumento complementar.
Enquanto estiagens severas atingem o Oeste catarinense, ventos extremos pressionam o Alto Vale, e geadas fora da normalidade ocorrem até em novembro, o sistema público e financeiro ainda opera em um modelo reativo: primeiro o prejuízo, depois o socorro, raramente a prevenção.
Pedro Loyola, do Observatório do Seguro Rural da FGV Agro, sintetizou:
“Se você fez seguro, não tem direito a mais nada. Se não fez, renegocia. Essa política não trata o seguro rural como política de Estado.”
O paradoxo expõe o problema central: onde falta seguro, sobra crédito emergencial e sempre após a perda produtiva.
Seguro rural – Governo, Parlamento e o modelo americano
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, defende transformar o seguro rural em despesa obrigatória e vinculada ao crédito com juros controlados.
A proposta do governo tem três pontos centrais: ampliar o uso do seguro paramétrico no país, tornar obrigatória a contratação do Seguro Rural para produtores que acessarem crédito com juros subsidiados e proibir o contingenciamento de recursos destinados ao programa.
Já a senadora Tereza Cristina, vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, defende um modelo robusto e permanente, com seguro de renda, modalidade paramétrica, previsibilidade orçamentária e cláusula de não contingenciamento – esta já encaminhada no Congresso.
“Na verdade, temos hoje um seguro de crédito, não um seguro de renda, que é o próximo passo que o produtor precisa. Sempre digo, inclusive em conversas com o ministro Haddad, que esse modelo é muito melhor para os bancos e cooperativas do que para o próprio produtor. Mas, para quem produz, representa tranquilidade e segurança”, disse a senadora.
Na Comissão de Orçamento, a senadora trabalha para incluir uma cláusula de não contingenciamento. Ela sugere que o modelo brasileiro seja semelhante ao dos Estados Unidos, onde o seguro rural é praticamente universal, sustentado por um fundo de US$ 60 bilhões.
“No Brasil, ainda estamos muito longe disso. Precisamos de uma cultura do seguro rural, com apólices mais transparentes e novas modalidades, como o seguro de renda e o paramétrico.”
A FPA apoia o avanço e quer que a decisão ocorra antes da próxima safra e não após o próximo evento climático extremo.
Os vilões da agricultura catarinense e o mapa da vulnerabilidade
Ao analisar a década 2015–2025, fica evidente que Santa Catarina não enfrenta mais anomalias climáticas pontuais – enfrenta um novo regime climático.
Somente as estiagens somam mais de R$ 8 bilhões em prejuízos no período, dez vezes mais que vendavais, fenômeno que passou a ocorrer com mais intensidade e frequência, especialmente no Planalto Sul e Alto Vale. Geadas tardias também se tornaram recorrentes, com quatro registros só em novembro, impactando fruticultura e sistemas integrados.
A Defesa Civil Nacional e a Susep mostram padrões nítidos:
- Oeste (Chapecó, Xanxerê, Abelardo Luz): estiagem severa pressionando milho, soja, pecuária e proteína animal.
- Alto Vale e Planalto Sul (Rio do Sul, São Joaquim, Campos Novos): picos alternados de seca, granizo, enxurrada e vendavais.
- Serra catarinense: geadas tardias – com quatro registros só em novembro, impactando pomáceas e floradas.
A climatologista Marina Hirota, da UFSC, descreve o novo comportamento como organismo biológico em desequilíbrio:
“Quando a temperatura média sobe, os extremos se intensificam.”
A localização geográfica de Santa Catarina – zona de encontro entre massas de ar tropical e frentes frias – torna o Estado particularmente vulnerável a extremos climáticos pulsantes, não lineares. Esse comportamento já se reflete em números: em 2023, o pagamento de sinistros no seguro rural chegou ao maior patamar histórico, acompanhado do recorde de perdas no campo no mesmo ano.
Voz do campo — José Zeferino Pedrozo
Em artigo divulgado ontem, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina – FAESC, José Zeferino Pedrozo, reforçou que seguro rural não pode mais ser tratado como programa complementar. Para ele, trata-se de elemento central da política agrícola moderna, sobretudo diante dos ciclos climáticos severos que atingem repetidamente Santa Catarina e o Sul do país.
Pedrozo destaca que sem subvenção adequada, um evento climático não destrói apenas lavouras – compromete renda, permanência no campo e todo um ecossistema socioeconômico. Na avaliação dele, o Brasil precisa migrar de um modelo de “seguro de crédito” para um verdadeiro sistema de mitigação de risco produtivo e climático.
“É notório que os órgãos responsáveis pela política agrícola e orçamentária precisam reforçar o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural, elevando os recursos e garantindo liberação tempestiva. Sem isso, a atividade agropecuária permanecerá vulnerável, e o Brasil perderá não apenas em produtividade, mas em estabilidade social e econômica no meio rural. É hora de tratar o seguro rural não apenas como um componente do Plano Safra, mas como pilar da política pública agropecuária”, destacou.
Cebola – safra avança forte em Santa Catarina
A produção de cebola segue como um dos principais destaques do calendário agrícola catarinense. A Epagri/Cepa projeta uma safra 7,3% maior que a anterior, com aumento estimado de 40 mil toneladas, resultado de produtividade recorde em municípios como Ituporanga, Rio do Sul e Canoinhas.
Com o Brasil registrando o primeiro período sem importações desde 2007, o armazenamento se consolida como estratégia para regulação de mercado e possível valorização no primeiro trimestre de 2026. A safra robusta traz otimismo ao setor, mas também exige logística, planejamento e capacidade de retenção – pontos cada vez mais relevantes em um cenário climático instável.
Tarifas, investigação e diplomacia: jogo aberto com os EUA
O vice-presidente em exercício, Geraldo Alckmin, comemorou a retirada da tarifa de 40% sobre 238 produtos brasileiros.
Mas Santa Catarina pediu cautela.
A FIESC lembra que:
- 22% das exportações seguem tarifadas
- A investigação da Seção 301 continua aberta
- Os produtos liberados são primários – enquanto SC exporta industrializados
O impacto estimado, caso tarifas persistam: até 45 mil postos de trabalho afetados no Estado.
Mercosul – acordo com UE será assinado, mas clima não é pacífico
O presidente Lula cravou a data: 20 de dezembro, em Brasília.
Mas o cenário é tenso:
- Uruguai entrou no acordo trans-pacífico (CPTPP)
- Argentina fechou acordo direto com os EUA
- França segue reticente
A FIESC defende flexibilização interna no Mercosul para evitar que o bloco se fragmente antes mesmo de implementar o acordo.
Entre o clima e o comércio: o Brasil não pode jogar na defesa
A COP30 mostrou que o seguro rural deixou de ser pauta técnica e passou a ser um debate sobre sobrevivência produtiva.
Mas, enquanto o clima pressiona por respostas internas, o mundo pressiona por posicionamento externo e o Brasil ainda reage mais do que antecipa.
É um recado simples, mas duro:
O Brasil negocia tarifas com a mesma morosidade com que organiza políticas de gestão de risco – sempre depois do impacto, nunca antes da onda.
E o agro, que sente primeiro as mudanças do clima e do comércio, segue operando onde as decisões não podem atrasar: no calendário, no mercado e no tempo.
E o produtor, que planta hoje para colher meses depois, tampouco pode esperar por políticas que chegam no ritmo da diplomacia ou da burocracia.
No campo e no comércio exterior, o recado é o mesmo:
Quem não antecipa, reage.
Quem só reage, perde.
Boa semana com tempo bom e que Brasília entenda, antes da próxima safra ou da próxima sanção, que futuro não se negocia: se constrói.





