Como nasce um vinho: um guia sem complicação

Pode confessar: você já bebeu muita taça por aí, mas nunca parou pra pensar como o vinho realmente acontece. E tá tudo bem, afinal ninguém precisa virar enólogo pra aproveitar um bom rótulo.

Mas se você entender o básico da vinificação, vai começar a beber com mais consciência (e quem sabe arriscar uns comentários técnicos quando estiver com amigos?). 

Então vem comigo, sem complicar:

A matéria-prima

Todo vinho começa com ela: a uva. Mas não qualquer uva — os vinhos finos, que costumamos degustar (diferentes dos vinhos de mesa), são feitos da espécie Vitis vinifera, que tem milhares de variedades catalogadas: Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Pinot Noir, Syrah, Malbec, só pra citar algumas bem conhecidas.

Cada uma tem sua personalidade: umas amadurecem mais cedo, outras resistem melhor a climas quentes, algumas são naturalmente mais ácidas, outras acumulam mais açúcar.

Mas a uva sozinha não faz vinho. A combinação entre solo, clima, altitude, exposição solar e regime de chuvas dá origem ao que chamamos de terroir (sim, pode usar essa palavra com orgulho).

É por isso que um mesmo tipo de uva pode dar origem a vinhos completamente diferentes dependendo de onde foi cultivada. Um Merlot da Serra Gaúcha e outro de Bordeaux, por exemplo, contam histórias bem distintas.

Aí vem a mágica: a fermentação

Depois de colhidas e esmagadas (ou não), as uvas iniciam o processo de fermentação alcoólica. É aqui que o suco da uva vira vinho de verdade. E tudo graças a seres minúsculos que você não vê, mas que trabalham sem parar: as leveduras.

Elas estão naturalmente nas frutas mas podem também ser adicionadas pelo enólogo, quando se quer mais controle sobre o processo. Sabe o saquinho de fermento que compramos para fazer pão? É bem parecido. 

Esses micro-organismos se alimentam dos açúcares presentes nas uvas e, ao fazer isso, liberam álcool e gás carbonico.  Simples assim. Era suco, mas com o álcool produzido durante a fermentação, se torna vinho. 

Mas aqui também tem o toque do produtor, que escolhe cuidadosamente a temperatura e tipo de tanque em que fará a fermentação. Fermentações mais frias (12–16 °C), como nos vinhos brancos e espumantes, podem preservar aromas delicados. Já os tintos costumam fermentar em temperaturas mais altas (até 28–30 °C) para extrair mais cor e sabor.

A ordem das etapas muda conforme o tipo de vinho


Nos vinhos brancos, as uvas são prensadas antes da fermentação. As cascas, sementes e engaços (os cabinhos) são separados logo no começo, porque o objetivo é obter um suco claro e leve.

Já nos tintos, a fermentação acontece com tudo junto — cascas, polpa, sementes e às vezes até o engaço. Isso porque é nas cascas que está a cor do vinho e boa parte dos taninos, compostos que dão estrutura e aquela sensação de secura na boca. Depois da fermentação, aí sim tudo é prensado para separar o líquido do sólido.

Maturação – quando o tempo contribui

Quando a fermentação termina, o vinho já é vinho. Mas nem sempre está pronto pra ser engarrafado. Ele pode passar por um período de maturação, que nada mais é do que um tempo de descanso e evolução, em que se estabiliza, arredonda as arestas e, muitas vezes, ganha camadas de complexidade.

Os  vinhos que pretendem entregar leveza e jovialidade – como a maior parte dos brancos e rosés – vão direto para a garrafa, sem amadurecimento.

Mas se a ideia for um vinho mais estruturado, que aguente o tempo e evolua na garrafa, a maturação ganha importância. Esse período de guarda pode ocorrer em diversos recipientes como tanques de inox, barricas de diversas madeiras, ânforas, ovos de concreto ou cubas de barro. Os mais comuns são as famosas barricas de carvalho, que podem adicionar aromas como baunilha, coco, café e também ajudam a amaciar os taninos. 

A maturação pode durar poucos meses ou anos. E como sempre: não existe certo ou errado, existe intenção. O produtor escolhe o caminho com base no estilo que quer alcançar. E o vinho agradece (ou às vezes não, mas aí é outra história…).

Uva, fermentação, maturação e voilà: o vinho está pronto na sua taça.

Claro que há muitas variações. Mas entendendo o básico, você já pode olhar para a taça com outros olhos. Saber como o vinho é feito não rouba a magia, só deixa a experiência ainda mais gostosa.

Tim, tim!

Beatriz Cavenaghi é jornalista, doutora em Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e sommelière pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-SC). @beacavenaghi no Instagram

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