A Conversa de Marqueteiro desta semana é com Paulo de Tarso da Cunha Santos.
Publicitário com formação em Sociologia e Política pela FESPSP, Paulo de Tarso construiu uma trajetória que une agências de propaganda premiadas e campanhas eleitorais históricas. Coordenou a campanha de Franco Montoro em 1982, quando a Lei Falcão se tornou obsoleta, criou o emblemático “Lula Lá” em 1989, esteve à frente da campanha presidencial de Lula em 1994 e foi assessor pessoal de comunicação de Fernando Henrique Cardoso entre 1998 e 2002. Mais tarde, comandou a comunicação do governo Lula à frente da Matisse Propaganda.
Testemunha e protagonista da evolução da comunicação política no Brasil, Paulo respondeu por e-mail às minhas perguntas com generosidade e profundidade. Nesta entrevista, ele fala sobre a evolução da área, a velocidade das redes, os desafios da polarização e o futuro dos profissionais que estão começando agora.
Você construiu uma trajetória sólida na comunicação política, em agencias de propaganda e em campanhas eleitorais. Como essa vivência dupla ajuda a entender e traduzir melhor o jogo das campanhas?
Paulo de Tarso:
São atividades complementares. Nas agências especialmente, se exercita o conhecimento de formatação : pensar títulos, conteúdos, narrativas, ilustração para todo tipo de meio, impresso ou áudio visual.
Na comunicação política, se exercita a visão geral do planejamento, mas as definições estratégicas são muito pouca efetivas se não houver criação de excelência que traduzam o todo.
Vejo muito peças que traduzem um bom planejamento e terminam transmitidas de forma precária, lugar comum , sem criatividade, buscando atributos banais e pouco competitivos.
“Os meios são as mensagens” é frase comum que contém muita verdade, não há diferença entre forma e conteúdo. A mensagem é o resultado da forma e do conteúdo somados. Daí a necessidade de se conhecer as técnicas de formatação. Na prática, estratégia e criação são praticamente a mesma coisa.
O jornalismo político sempre conviveu com estratégias de marketing eleitoral, mas hoje as redes sociais encurtaram distâncias e mudaram o peso das narrativas. Como você vê essa relação atualmente?
Paulo de Tarso:
O jornalismo político manteve o monopólio de influência no jogo político desde sempre. Mas sua limitação começou a aparecer com o crescimento da comunicação política de massas, ou seja, na comunicação televisiva transmitida em rede nacional.
A comunicação política ganhou voz própria nesse momento e o jornalismo político perdeu muita influência. Mas não perdeu toda influência. Atualmente vemos os grandes meios buscando de toda forma recuperar seu papel de influenciador com cada vez menos eficiência.
Não apostaria que as redes sociais “encurtaram distâncias” . A frase é lugar comum e a influência nacional dos meios de imprensa não está acabando, desde os anos 70 o Brasil iniciou um grande processo de integração via meios nacionais beneficiando políticos, e essa força não se extinguiu. A rede chega para se somar a esse processo aumentando sua escala significativamente. Eu vejo a rede tornando o timmimg político cada vez mais veloz, essa é transformação mais significativa. E geração de fatos políticos instantâneos repetidos em sequência pela mídia tradicional pautando o debate político. Essa é a batalha.
Essa velocidade tem o valor de pautar com muito mais força o debate político na vida cotidiana. Mas também tem o problema de esvaziar o debate por conter informações de baixa credibilidade e uma luta política de pouca qualidade. Essa questão do aumento da velocidade na troca de informações pode ser atribuída à comunicação digital sem dúvida, mas reflete também uma renovação internacional das utopias e a um diálogo mas agressivo pelos grupos em conflito.
Em um Brasil polarizado, como fica o papel do comunicador na construção de pontes? É possível fazer campanhas competitivas apostando no diálogo em vez do confronto?
Paulo de Tarso:
A opção pelo confronto não é de todos os grupos em disputa na rede. Parte especificamente de alguns grupos que tem método, objetivos estratégicos claros, dinheiro para investir e e tem na linguagem violenta um dos pilares da sua atuação. Trabalhar lutando sempre pelo controle político da pauta política custe o que custar , essa é a estratégia traçada e faz muito sentido. A consequência dessa estratégia é de que há pouco espaço para diálogo nas redes. Mas também é fato que esses espaços estão aumentando e que o público vai se politizando rejeitando agressividade pela agressividade. Cada vez mais se opõe falta de lógica com discurso bem argumentado e a parte da agressividade não cresce, não aumenta significativamente, produz uma polarização falsa onde não consegue liderar. Essa hoje é uma questão mundial, o ataque à democracia liberal, e objetivamente esse ataque também está fracassando. Trump está caindo em aprovação. Na última medição,na pesquisa Ipsos/ Reuters publicada na revista Newsweek , ela pontuava 56% de rejeição. Esse momento distópico vai sendo derrotado pouco a pouco.
Acho o uso da violência humano, mas com limite. A internet sofre das dores do parto como meio ainda jovem e creio que tudo se transforma. Na medida em que se consome vai se qualificando. Isso aconteceu com todos os meios, certamente acontecerá com os meios digitais e com a IA. Os espaços para diálogo se abrirão cada vez mais. E serão educadores dos usuários.
A política municipal é, muitas vezes, o primeiro grande teste de comunicação para muitos profissionais. Na sua visão, qual é a principal diferença entre trabalhar numa campanha local e numa disputa estadual ou nacional?
Paulo de Tarso:
O argumento principal é conhecido, nenhuma campanha é igual à outra, todas tem seu cenário e sua particularidade.
É óbvio que campanhas em diferentes níveis são distintivas, mas não há vitória fácil. Quando há, não é a comunicação que vence, são as condições políticas bem traduzidas.
Eu acho mais difícil trabalhar em pequenas cidades do que em colégios eleitorais maiores. Nas pequenas cidades, os postulantes já são conhecido e de forma geral o vitorioso também. Os eleitores “escalam” candidatos para serem prefeitos e vão trocando quando entendem que chegou a hora. Esses times de políticos se opõe entre si e podem entrar e sair do jogo em diferentes momentos. É muito difícil interferir nessa dinâmica. Do banco de reservas eles assumem o jogo. Por isso o planejamento de comunicação municipal tem a característica de não se pautar unicamente a vitória, mas também colocar o candidato no banco de escolhidos para outros degraus, como deputado ou futuros prefeitos. Nos grandes colégios das grandes capitais o assunto já é diferente: são disputas que necessitam para ser competitivas de todo o ferramental técnico, indispensável a uma campanha grande. As campanhas estaduais são a mais difíceis de obter recall, pois um governo estadual é cargo espremido entre a realidade local e a federal.
Obviamente, as campanhas nacionais são difíceis também . Elas tem que trabalhar sempre com o foco no aumento de chances de pontuar subindo nas pesquisas publicadas no quesito “perspectiva de poder” ( “ independente do seu voto quem vc acha que vencerá as eleições” ).
Nas campanhas médias e grandes o fator decisório é o tempo.
Trabalhar com a melhor técnica no melhor “timmimg”. Ninguém se elege sendo candidato de si mesmo e a acumulação de poder para vencer é longa e difícil. Quanto antes começar melhor.
Você já participou de momentos decisivos em campanhas políticas. Qual foi a situação mais desafiadora em que precisou tomar uma decisão de comunicação rápida?
Paulo de Tarso:
Tive muitas decisões difíceis a tomar nas campanhas que fiz. Já fiz campanha bordejando a famosa “Lei Falcão” (1982) onde o risco de retaliação era grande, mas a estratégia deu certo.
Tenho muitas lembrança de me ver com as pernas tremendo no meio de uma ação. Em situações criticas . Já mandei derrubar cenário, já ataquei inicialmente, já tive que responder ataques de ex esposas, no fundo a diferença entre um bom e um mal profissional aparece no momento do sangue frio.
Para quem está entrando agora no marketing político, qual é a habilidade essencial que vai diferenciar um bom profissional nos próximos anos?
Paulo de Tarso:
A habilidade central é o desenvolvimento da intuição com formação e formação. Esse desenvolvimento é difícil e trabalhoso, exige gosto pela política. Como alguém chega a grande mestre de xadrez? Jogando óbvio.
É importante manter-se informado e estudar. Conhecer a regra básica da democracia : “nenhuma verdade contém todas as verdades“. Se você sabe pensar como o inimigo saberá defender o amigo e poderá sentir o que o inimigo fará. E explorar os dados de conjuntura.
Trabalhar com estratégia política não é fácil. Os maiores estrategistas são os próprios candidatos. Não há definições técnicas prontas, tudo tem seu momento. Organizar, ter boa equipe, essa deve ser a meta de quem está começando e não a busca do falso brilho.