Artigo de Carlos Moisés da Silva é advogado, mestre em direito constitucional e ex-governador de SC

O dinheiro do crime organizado financiando campanhas mostra que o distanciamento crescente entre políticos e a população é um sinal preocupante, que resulta em uma parcela de eleitores insatisfeita, não suficientemente representada, e sem conexão com os eleitos, quando o próprio eleitor, muitas vezes, não se lembra em quem votou nas últimas eleições.
Outro ponto frequentemente debatido é a questão dos elevados gastos de campanha. É inegável que o poderio financeiro detém a capacidade de influenciar os resultados eleitorais e, por outro lado, dificultar a participação de legítimos líderes comunitários sem grandes recursos, impedindo que disputem o pleito e condições de igualdade.
Com campanhas, que ocorrem inexplicavelmente a cada dois anos, a competição eleitoral brasileira, baseada em um sistema obsoleto e caro, perpetua o distanciamento entre eleitos e eleitores, e favorece o abuso do poder econômico. A reforma política é vista como crucial para abrir espaço para novas lideranças, garantir o pluralismo político e aumentar a legitimidade.
Embora não exista uma solução eleitoral perfeita, a introdução do voto distrital misto é defendida como alternativa para aprimorar a conjuntura atual. Os sistemas eleitorais se dividem em dois grupos, sendo o majoritário baseado no princípio da representação da maioria, que elege o candidato que obtiver o maior número de votos válidos na circunscrição. É o modelo usado para a escolha de chefes dos poderes executivos (presidentes, governadores e prefeitos) e senadores.
Para presidente da república e prefeitos em municípios com mais de 200 mil eleitores, exige-se maioria absoluta e, se necessário, um segundo turno. Já o proporcional, de difícil compreensão para o público, é utilizado para a eleição de deputados (federais, estaduais/distritais) e vereadores. Seu objetivo primordial é garantir a representação equitativa de diversos grupos e tendências, porém, no Brasil enfrenta desafios relacionados à baixa representatividade, já que muitos parlamentares são eleitos por votos transferidos pela sigla partidária, gerando incertezas sobre os resultados.
O voto distrital misto, ou voto proporcional personalizado, combina elementos dos dois modelos, majoritário e proporcional. Sua origem moderna remonta às eleições parlamentares na Alemanha entre 1949 e 1953. No Brasil, essa discussão é antiga, surgindo desde as propostas de mudança à Constituição de 1967, e ressurgindo nas discussões na Constituinte de 1988, bem como, em propostas mais recentes em andamento no Congresso Nacional.
No voto distrital misto, a circunscrição eleitoral é segmentada em distritos geográficos menores. O eleitor tem direito a dois votos, sendo um voto para um candidato do distrito, numa eleição majoritária, geralmente uninominal, ou seja, um eleito por distrito, e um voto para uma lista da legenda partidária, eleição proporcional, abrangendo toda a circunscrição. A lista partidária pode ser fechada, onde o partido define a ordem dos eleitos, aberta onde o eleitor escolhe o nome, semelhante ao que acontece no Brasil, ou flexível, onde o eleitor pode influenciar a ordem definida pelo partido.
O cálculo das cadeiras pode seguir a lógica do sistema de correção, como no modelo alemão, onde todas as vagas são distribuídas com base na votação proporcional da sigla, com os eleitos distritais ocupando as vagas iniciais, ou seguira lógica do sistema paralelo, onde as vagas são calculadas de forma independente, parte para os eleitos distritais, numa eleição majoritária, e parte para os eleitos pela lista, numa eleição proporcional.
Um dos argumentos favoráveis ao voto distrital misto se refere ao aumento da representatividade, pois o parlamentar eleito pelo distrito teria fortes laços com sua base e seria cobrado acerca dos problemas locais, reforçando o vínculo.
Também há quem sustente que o modelo se apresenta como umas das soluções para superar as disfuncionalidades atuais de representação, pois combina a força dos líderes locais eleitos pela maioria, com foco nos temas locais, deixando a representação de segmentos, ideias nacionais e ideologias para os eleitosproporcionalmente por meio da lista partidária.
Há quem se oponha ao modelo, alegando que em pequenos distritos as facções criminosas poderiam, mais facilmente, influenciar e financiar as campanhas, partidos pequenos poderiam ficar com pouca representação, dificuldade deimplementar o sistema, complexidade para o eleitor, risco de desigualdade entre distritos (fenômeno conhecido como gerrymandering), dentre outros fatores.
Atualmente tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição da República nº 02/2025, que estabelece o voto distrital misto, porém cria o semi presidencialismo no Brasil, onde o Presidente da República é o Chefe de Estado e o Primeiro-Ministro é o Chefe de Governo.
Não há solução simples para problemas complexos e o legislador brasileiro precisa enfrentar o debate político para corrigir o atual modelo de eleições para deputados e vereadores, mas é possível afirmar que, enquanto os eleitores brasileiros escolherem apenas números, abstraindo as pessoas por detrás de cada um desses números, não haverá solução para o atual cenário, qual seja, muitos políticos e pouca representatividade.
Agindo sempre da mesma forma, não se pode esperar resultados diferentes, e somente o envolvimento e a efetiva participação cidadã nas eleições, trará luz a esse cenário de caos.







