Desastres naturais ou naturalização dos desastres? Por Carlos Moisés da Silva

Por Carlos Moisés da Silva

A capacidade humana de mitigar efeitos e o local onde ocorre, definem se um evento climático se transforma em um desastre ou não. Sem diminuir a importância dos eventos climáticos nas demais regiões brasileiras, a Região Sul do Brasil, por sua configuração geomorfológica, é uma das mais suscetíveis do país a intensos eventos climáticos hidrológicos.

Com bacias extensas, os rios da Região Sul podem receber maior volume de chuvas, contínuas e concentradas, pela maior exposição às frentes frias e barreiras atmosféricas que não permitem o avanço destes sistemas para outras regiões.

Essa condição hidrológica resulta em severas inundações, movimentos de massa nas regiões serranas, como queda de barreiras, deslizamento, escorregamento e ruptura de taludes, tudo isso agravado por modelos que apontam um aumento na frequência e intensidade desses eventos climáticos extremos nesta região.

Não estamos falando de tentar mitigar os efeitos do impacto de um asteroide com energia para provocar uma nova era glacial, mas nos referimos a coisas corriqueiras ao globo terrestre, eventos mais presentes no cotidiano, como tornados, furacões, pandemias, contaminações, calor, frio, secas e estiagens, chuvas intensas e concentradas e seus movimentos de massa, inundações e alagamentos.

Ao leitor pode soar estranho, porém, todo projeto de engenharia leva em conta estados limites das estruturas projetadas, trocando em miúdos, todo projeto de engenharia aceita falhas, baseadas na probabilidade de recorrência dos eventos e na viabilidade financeira da obra, que leva em conta os recursos disponíveis para a sua execução.

Nessas circunstâncias, a recorrência dos desastres adquire estreita relação com a condição social local, além de explicar a razão pela qual muitas obras não cumprem seu papel e os planos falham diante dos eventos adversos.

Vale destacar que o processo histórico de urbanização brasileira não previu obras estruturais para diminuir riscos, tampouco se adequou às características do relevo local, pelo contrário, foi atropelado por transformações socioeconômicas relevantes e velozes.

Sem observar essas características naturais, nos obrigamos a retificar e canalizar nossos cursos d’águas superficiais, modificamos a dinâmica hidrológica, impermeabilizamos o solo, agravamos e, em alguns casos, criamos os riscos. Mudança cultural e inclusão social são os grandes desafios que nos possibilitam
evitar desastres em eventos climáticos.

Na resposta ao clamor social por habitação, a política de reconstrução edifica nos mesmos locais atingidos pelos efeitos do evento climático anterior, concorrendo para a recorrência e a falsa sensação de segurança, com baixa percepção de risco dos moradores.

Não obstante condomínios de luxo serem dizimados por efeitos de eventos extremos, muitos desastres estão intimamente relacionados à condição social, sendo a inclusão fator determinante na prevenção. Enfrentar o desafio da prevenção aos riscos de desastres passa pelo adequado ordenamento urbano, inclusive na reconstrução.

A escolha de áreas em cota de inundação para complexos habitacionais de baixa renda e a permissividade da ocupação humana nas encostas e áreas de risco de deslizamentos, por exemplo, demonstram a incapacidade de adequado posicionamento do poder público. A maioria dos eventos incidem de forma recorrente, demandando décadas ou gerações para serem novamente experimentados, e apesar de lembrados nos registros históricos, são esquecidos por quem deveria enfrentá-los.

Aliados fortes da prevenção, como o prévio mapeamento das áreas de risco, o constante treinamento das pessoas para o uso de planos de contingência e para responder aos alertas, através de uma comunicação eficiente com a população, bem como, o monitoramento e a transmissão de dados em tempo real acerca de ventos, calor e frio, índice de chuvas, nível de represas, rios, lagos e de marés, não podem ser esquecidos. Não menos importantes, iniciativas estruturantes de obras de prevenção, com modelagem matemática hidrodinâmica em base topográfica de alta resolução, dimensionamento monitorado de fozes e seções transversais de rios.

O Marechal Prussiano Helmuth von Moltke nos alerta que “nenhum plano sobrevive ao primeiro contato com o inimigo”. Há esperança, pois a sociedade que supera grandes dificuldades, ressurge mais forte e resiliente, ou, na linguagem de Nassim Nicolas Taleb, “antifrágil”, esta última, caracterizando uma sociedade que considera a aleatoriedade para se preparar com respostas rápidas e criativas, não acreditando apaixonadamente que tudo sempre vai dar certo.

Nossa solidariedade aos irmãos do vizinho estado do Rio Grande do Sul


Carlos Moisés da Silva foi governador de Santa Catarina e é presidente estadual do
Republicanos. Foto: Viviane Bandeira
.

COMPARTILHE
Facebook
Twitter
LinkedIn
Reddit