Dezembro não é vermelho apenas pelo Natal: Vamos falar sobre prevenção do HIV?

Segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de um milhão de pessoas vivem com HIV no Brasil. Colocando em dados mais palpáveis, seriam necessários 70 campos de futebol (seguindo os padrões FIFA de 105 metros de comprimento por 68 metros de largura) para estimar quantas pessoas vivem com o vírus no pais.

O mês de dezembro, tradicionalmente associado ao vermelho natalino, também carrega um importante simbolismo na área da saúde: a prevenção ao HIV/AIDS. Instituído no Brasil em 2017 pela Lei nº 13.504, o Dezembro Vermelho é uma campanha nacional que promove a conscientização, a prevenção, o diagnóstico precoce e o tratamento do HIV, além de combater o preconceito que cerca as pessoas vivendo com o vírus.

A prevenção ao HIV vai muito além do uso do preservativo e do terror coletivo gerado por uma sociedade que viu grandes nomes da música, do cinema e da arte morrerem de AIDS. Neste ponto, é importante lembrar que o HIV é o vírus, enquanto a AIDS é a doença causada por ele.

Segundo o infectologista Dr. Thiago Zinsly Sampaio Camargo, da Rede Plus, da Care Plus, a chamada “prevenção combinada” ainda é a grande chave da prevenção contra o vírus. Ela nada mais é que um conjunto de estratégias eficazes para reduzir o risco de transmissão do vírus.

“São várias as estratégias aplicadas em conjunto para esse objetivo. Entre elas estão o uso do preservativo, que é uma forma muito eficaz de prevenção, e a PrEP, que é a profilaxia pré-exposição. Nela, a pessoa que não tem o HIV toma o medicamento, normalmente um comprimido por dia, para reduzir o risco de contrair o vírus. É indicada, em princípio, para pessoas que apresentam maior risco de exposição ao vírus”, explica.

Outra abordagem importante é a profilaxia pós-exposição (PEP), indicada para situações de possível contato com o vírus. “Consiste em um medicamento administrado o mais rápido possível, preferencialmente até 72 horas após uma possível exposição ao vírus, como em casos de violência sexual, acidente com material perfurocortante ou relação sexual desprotegida com uma pessoa que vive com HIV”, detalha o infectologista.

O tratamento como prevenção também ganha destaque no combate à epidemia de HIV/AIDS.

“Esse é um conceito muito robusto: a pessoa que tem HIV, mas faz o tratamento corretamente, ficando com a carga viral indetectável no exame, não transmite a doença. Esse é o conceito do ‘indetectável é igual a intransmissível’, dentro da cadeia da prevenção combinada”, afirma Dr. Thiago.

O conceito “Indetectável = Intransmissível” (I=I), trazido por Thiago, é uma das bases mais importantes na prevenção do HIV atualmente. Ele se refere ao fato de que pessoas vivendo com HIV que seguem o tratamento antirretroviral corretamente e alcançam uma carga viral indetectável no sangue, e não o transmitem por via sexual.

O que significa ser indetectável?

Uma pessoa é considerada indetectável quando a quantidade de HIV no sangue é tão baixa que não pode ser detectada pelos exames padrão. Isso geralmente ocorre após alguns meses de adesão rigorosa ao tratamento antirretroviral, que suprime a replicação do vírus.

Por que “indetectável” é igual a “intransmissível”?

Diversos estudos científicos de grande escala, como o PARTNER Study e o HPTN 052, demonstraram que pessoas com carga viral indetectável não transmitem o HIV a seus parceiros sexuais. Isso ocorre porque, ao reduzir a replicação do vírus, o tratamento impede que ele seja transmitido durante relações sexuais, mesmo sem o uso de preservativos.

A prevenção combinada também inclui a educação sobre métodos de prevenção, programas de redução de danos para populações de risco e o incentivo à testagem.

“Quanto mais testagens regulares forem realizadas, mais infecções podem ser detectadas precocemente. Isso permite iniciar o tratamento mais cedo, entrando naquela cadeia onde o ‘indetectável é igual a intransmissível’. Além disso, o apoio psicológico e médico são fundamentais”, acrescenta.

Preconceito e dificuldade de adesão ao tratamento

A médica infectologista Fernanda Rick, da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL), destaca a importância de conscientizar a população sobre a saúde sexual, combater o estigma e garantir acesso a tratamentos. Ela observa que ainda existem barreiras, como o preconceito, que impedem muitas pessoas de procurarem os serviços de saúde e aderirem ao tratamento, apesar da disponibilidade de medicamentos e acompanhamento.

“É necessário enfrentar os tabus e garantir que todos tenham acesso à prevenção e tratamento, sem julgamentos”, conclui.

Medicamento usado na PreP

Segundo a infectologista, o preconceito continua sendo uma das maiores barreiras enfrentadas pelas pessoas vivendo com HIV.

“Ainda vivemos em um país extremamente conservador, onde o HIV é carregado de estigmas e julgamentos. Muitas pessoas têm medo de buscar o diagnóstico ou iniciar o tratamento porque temem a exclusão social, o preconceito dos outros e até o próprio julgamento dentro do serviço de saúde”, afirma Rick.

Ela aponta que, apesar do avanço nas opções de tratamento, muitas pessoas não procuram saber seu status sorológico ou têm receio de iniciar o tratamento, devido à vergonha ou medo de serem estigmatizadas. “Quando alguém se vê em uma situação de vulnerabilidade, seja por múltiplas parcerias sexuais ou pela falta de preservativo, o medo do julgamento pode ser paralisante. Isso leva a uma omissão da saúde, muitas vezes, por anos”, destaca.

Rick também observa que o medo do estigma não está restrito apenas ao ambiente social, mas se reflete dentro dos próprios serviços de saúde. “Os profissionais de saúde, por vezes, não estão preparados para lidar com as questões relacionadas à sexualidade, com a identidade de gênero e com a orientação sexual dos pacientes. Isso pode fazer com que muitas pessoas sintam vergonha de expor suas vulnerabilidades e dificuldades, dificultando o acesso ao tratamento adequado”, explica.

Além disso, a médica afirma que a adesão ao tratamento pode ser prejudicada, não só pela falta de acesso ou estrutura, mas também pelo receio do julgamento constante. “Infelizmente, a falta de acolhimento e o preconceito nas unidades de saúde acabam afastando as pessoas. Muitas vezes, os pacientes se sentem mais confortáveis em não se expor ao tratamento do que em procurar ajuda”, lamenta Rick.

Ela reforça que, para enfrentar esse problema, é fundamental combater os tabus e promover um ambiente de saúde mais inclusivo e acolhedor.

E quem abandona o tratamento?

Em Florianópolis, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde de 2021, há cerca de mil pessoas que sabem que vivem com HIV, mas não fazem o tratamento. A situação gera preocupação, afinal, são essas pessoas que, de fato, têm AIDS (a doença) e podem sofrer como em nosso imaginário dos anos 80.

Diego Miguel Felix, presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG-SP), enfatiza que um dos maiores desafios para convencer as pessoas a retomarem o tratamento do HIV é superar os estigmas históricos e a desinformação que ainda cercam a doença. Segundo Felix, a memória dos anos 80 e 90, quando o HIV era visto como uma sentença de morte devido à falta de tratamento eficaz, ainda impacta as atitudes e decisões de muitas pessoas que vivem com o vírus.

“Precisamos romper com esses estereótipos e falar mais sobre o assunto de forma clara e direta, mostrando que a adesão ao tratamento é crucial. Quem está em tratamento regular e se torna indetectável não transmite o HIV e pode viver uma vida longa e saudável, com uma expectativa de vida igual à de qualquer outra pessoa”, afirma Felix.

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