
Esta semana, um fato movimentou as hostes bolsonaristas. Donald Trump, depois de meses de espera ansiosa, declarou apoio a Jair Bolsonaro, chamando o julgamento do ex-presidente de “caça às bruxas” e atacando o STF.
A avaliação unânime, de dez entre dez analistas políticos, foi que aquele post ofereceu munição pesada à base direitista que apoia o ex-presidente. E ofereceu mesmo.
Mas há mais coisas entre o céu e a terra do universo político do que pode imaginar nossa vã filosofia.
Paradoxalmente, o gesto também fortaleceu a narrativa do “inimigo comum” dos aliados Trump e Bolsonaro. Favoreceu justamente Luiz Inácio Lula da Silva, que respondeu dizendo que o Brasil é soberano e não aceita tutelas de ninguém. Em outras palavras: o ataque virou presente.
Algo parecido aconteceu recentemente no Canadá, quando o presidente americano fez ameaças ao país e acabou fortalecendo o Partido Liberal, do então impopular Justin Trudeau. O “ataque externo” mexeu com o brio dos canadenses e aguçou o nacionalismo. É isso que Lula tenta replicar por aqui.
Não que eu acredite que vá acontecer o mesmo no Brasil. O atual presidente precisará de munição muito mais potente para emergir do seu inferno astral.
Mas considero esse episódio didático por outra razão: ele prova, mais uma vez, que na política de hoje não importa apenas o que acontece. Importa quem conta a história e como ela é contada.
Que vivemos na era da pós-verdade – termo consagrado pelo Oxford Dictionaries como o tempo em que “os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que os apelos à emoção e às crenças pessoais” – todo mundo já está careca de saber (sem indiretas ao Xandão, claro). Em vez de disputar realidades, disputam-se versões.
Essa lógica sempre fez parte da política, construída historicamente a partir de batalhas narrativas. Mas agora ela ganhou proporções épicas.
Trump, aliás, é um dos mestres do gênero: durante sua presidência, acumulou mais de 30 mil declarações falsas ou enganosas, segundo levantamento da imprensa americana.
Após perder a eleição em 2020, sustentou a versão de que foi vítima de fraude, mesmo sem provas. O resultado? Milhões de americanos acreditaram. Porque uma mentira bem contada, que conversa com os afetos certos, vence qualquer dado técnico.
Na Argentina, o histriônico Javier Milei chegou ao poder com um discurso furioso, antissistema e altamente performático. Suas promessas desafiavam qualquer racionalidade, mas funcionaram porque conectaram com o sentimento coletivo de revolta. Sua campanha não foi uma explicação de planos ou propostas, mas uma explosão narrativa criada para viralizar.
Lula, por sua vez, sempre foi um mestre em construir narrativas simbólicas a seu favor. Seu improvável retorno ao poder em 2022 foi embalado por um storytelling poderoso: o operário injustiçado, preso e depois absolvido, que venceu o “ódio” com “amor”.
Em diversos momentos, Lula ressignificou crises ou críticas, como o caso das joias sauditas, as indicações ao STF ou o PIB abaixo do esperado, como parte de uma suposta “campanha contra ele”.
Assim, o petista deslocava o centro dos problemas e transformava fatos desconfortáveis em peças de uma narrativa maior de perseguição e resistência.
Ou seja: não tem santo nesse jogo – nem à direita, nem à esquerda.
Até lideranças mais técnicas e centristas, como o insosso Emmanuel Macron, presidente da França, compreendem o poder das versões. Ao enfrentar protestos e defender reformas impopulares, frequentemente suaviza termos ou troca realidades por percepções. Fala, por exemplo, em “sentimento de insegurança” no lugar de insegurança. Não se trata de mentir, mas de enquadrar. É ilegal? Não. É estratégico? Com certeza.
No Brasil, a polarização elevou essa dinâmica ao máximo. O julgamento de Bolsonaro não é apenas um processo jurídico. É um campo de batalha narrativa. Para uns, é justiça contra os “golpistas”. Para outros, perseguição ao “mito”.
E as duas versões coexistem, alimentadas por redes sociais, vídeos e memes. Os fatos estão lá, mas parecem menos importantes do que a forma como são traduzidos emocionalmente.
Tudo isso exige um novo olhar dos profissionais de marketing político. É assustador dizer isso, mas hoje em dia não basta saber governar ou montar estratégia de campanha. É preciso compreender o jogo simbólico das palavras, imagens e versões.
E, para isso, não apenas os assessores e meus colegas marqueteiros precisam estar preparados. Os próprios políticos precisam entender essa lógica e aprender a narrar. Sim, isso é treinável.
Porque, no fim, quem não narra, é narrado.E na política atual, quem perde a guerra da versão, perde o poder de influenciar.
P.S. Enquanto finalizava esse textículo assistindo ao Jornal Nacional (sim, programa de tiozão), Trump atacava o BRICS, dizendo que foi criado para prejudicar os EUA e destruir o dólar. Típico.