Por André Ostermann, presidente da ABRAPARK Associação Brasileira de Estacionamentos

Quem circula de carro pelas cidades brasileiras conhece bem a rotina desgastante: dar voltas por longos minutos em busca de uma vaga disponível e, muitas vezes, arriscar deixar o veículo em locais inseguros ou improvisados. Essa experiência cotidiana, além de estressante, gera desperdício de tempo, aumenta o consumo de combustível e contribui para a poluição do ar. Para a maioria das pessoas, o estacionamento é visto apenas como um espaço de apoio, uma área destinada a “guardar carros” temporariamente. No entanto, essa visão restrita não corresponde ao papel que os estacionamentos já desempenham em várias cidades do mundo, onde são tratados como parte fundamental da infraestrutura urbana, integrados ao transporte público, à tecnologia e ao planejamento da mobilidade.
Quando o estacionamento é pensado de maneira estratégica, os benefícios chegam diretamente ao motorista e à cidade. Isso significa mais praticidade no dia a dia, menos tempo perdido no trânsito em busca de uma vaga, mais previsibilidade e até economia. Um motorista que consegue estacionar rapidamente gasta menos combustível, reduz o estresse e se desloca com maior segurança. Esse impacto positivo não se limita ao indivíduo: milhares de pequenos ganhos diários se somam e ajudam a reorganizar o fluxo viário, trazendo melhorias para todos. A experiência internacional mostra que é possível transformar um serviço muitas vezes invisível em uma peça essencial para melhorar a mobilidade urbana como um todo e para reorganizar os fluxos de deslocamento.
O que já acontece pelo mundo
Alguns exemplos internacionais ajudam a visualizar esse potencial. Em Tóquio, por exemplo, a lógica é clara: só é permitido comprar um automóvel se o proprietário comprovar previamente onde ele será estacionado. Essa medida, que pode soar rígida, garante que os veículos não sobrecarreguem as ruas e cria uma cultura de responsabilidade individual, na qual o direito de dirigir vem acompanhado do dever de planejar onde o carro ficará parado. Já em Madri, estacionamentos localizados próximos às estações de metrô oferecem tarifas reduzidas, estimulando a integração entre o carro e o transporte público e reduzindo a pressão sobre as vias centrais da cidade. Esse tipo de incentivo mostra como o estacionamento pode ser parte ativa de um sistema intermodal de mobilidade.
Em Nova York, há incentivos fiscais para estacionamentos que disponibilizam suas vagas ao público em horários de menor demanda, ampliando a oferta em áreas críticas. Essa prática aproveita a ociosidade existente em determinados períodos do dia e torna o espaço urbano mais eficiente. Já em Cingapura, toda a rede de vagas – públicas e privadas – é conectada a um único aplicativo, que permite ao motorista identificar em tempo real onde há espaço disponível e qual o valor da tarifa. Essa integração tecnológica simplifica a experiência do usuário, facilita o planejamento urbano e fortalece a gestão pública do trânsito.
Os resultados dessas medidas são visíveis: redução de congestionamentos, menos estresse para quem dirige e maior previsibilidade na rotina. Em vez de perder tempo rodando pelas ruas, o motorista tem acesso rápido à informação e consegue planejar melhor seus deslocamentos. Cidades que aplicaram soluções desse tipo observaram ganhos também no comércio e nos serviços, já que a facilidade de estacionar aumenta a atratividade das áreas centrais e contribui para a vitalidade econômica.
Em resumo, estacionamentos inteligentes podem gerar um ciclo virtuoso: reduzem a pressão sobre o trânsito, melhoram a experiência dos usuários e fortalecem a economia urbana.
E o Brasil?
No Brasil, ainda estamos apenas começando a trilhar esse caminho. Algumas cidades ensaiam iniciativas pontuais. Balneário Camboriú (SC), por exemplo, já exige que novos empreendimentos incluam vagas de estacionamento como forma de mitigar o impacto do trânsito local. É um avanço importante, mas insuficiente diante da complexidade da mobilidade urbana. A realidade predominante ainda é a de estacionamentos que funcionam de maneira isolada, sem integração com o transporte público, sem incentivo ao uso compartilhado e com grande parte de sua capacidade ociosa não aproveitada.
Isso gera uma contradição evidente: enquanto motoristas gastam tempo e combustível à procura de uma vaga, centenas delas permanecem vazias, mas inacessíveis por falta de gestão inteligente e de conexão entre sistemas.
Em termos práticos, é como se a cidade tivesse dois problemas ao mesmo tempo: excesso de carros circulando e subutilização dos espaços já existentes. Essa ineficiência custa caro não apenas ao motorista, mas também ao poder público e à coletividade. É justamente nesse ponto que surge uma grande oportunidade de repensar o papel dos estacionamentos e de aproximar o setor das políticas públicas de mobilidade.
Se o Brasil avançar em modelos de integração, os ganhos serão múltiplos. A vida cotidiana do motorista pode mudar de forma significativa. Aplicativos que indiquem em segundos a localização das vagas disponíveis permitem economizar tempo e reduzir a ansiedade de quem dirige. Tarifas dinâmicas e mecanismos de compartilhamento contribuem para tornar o serviço mais acessível e democrático. A proximidade dos estacionamentos a modais sustentáveis – como metrôs, ônibus e sistemas de bicicletas – oferece conforto e segurança, já que o motorista pode deixar o carro em um ponto estratégico e seguir o trajeto com tranquilidade.
Em áreas metropolitanas, onde os deslocamentos são longos, essa possibilidade de integração é ainda mais relevante e pode transformar a forma como a população se relaciona com o automóvel.
Além dos benefícios individuais, há também ganhos coletivos. Cada vaga utilizada de forma inteligente significa menos veículos circulando em busca de estacionamento, o que ajuda a desafogar o trânsito, reduz emissões de poluentes e melhora a qualidade de vida urbana.
Em outras palavras, estacionar bem não é apenas uma conveniência: é uma medida de mobilidade sustentável. Uma política eficiente de estacionamento impacta diretamente a eficiência do transporte coletivo, a segurança viária e até mesmo a saúde pública, já que reduz o tempo de exposição à poluição e o estresse dos deslocamentos. Isso mostra que o tema não deve ser tratado como acessório, mas como um componente central das estratégias de planejamento urbano.
O Brasil tem diante de si um enorme potencial de transformação. O setor de estacionamentos está pronto para ser parte ativa da solução, mas é preciso avançar em alguns pontos cruciais: ampliar as parcerias público-privadas, integrar a tecnologia de forma efetiva, incentivar o uso compartilhado de vagas e harmonizar as legislações municipais, garantindo segurança jurídica e clareza para a implementação de novos modelos.
Hoje, diferentes cidades brasileiras aplicam regras muito distintas, o que gera insegurança tanto para investidores quanto para usuários. Uma padronização mínima traria eficiência, reduziria burocracias e daria confiança para que o setor crescesse com qualidade.
A boa notícia é que esse processo não exige obras monumentais nem décadas de espera. Grande parte da estrutura já está disponível; falta apenas gestão inteligente e integração com o restante do sistema de mobilidade. Trata-se de um movimento possível de ser iniciado agora, com resultados perceptíveis em pouco tempo. E quanto mais cedo essa integração ocorrer, mais cedo o Brasil colherá benefícios em áreas que vão da economia à sustentabilidade ambiental. Cidades que conseguirem implementar esse modelo sairão na frente, criando exemplos positivos que podem inspirar outras administrações.
O estacionamento, portanto, não deve ser encarado como um problema urbano, mas como um recurso estratégico. Ele pode ser um aliado do motorista, trazendo economia de tempo e dinheiro, ao mesmo tempo em que contribui para cidades mais organizadas, humanas e eficientes. O futuro da mobilidade passa também por onde e como estacionamos nossos carros – e o Brasil tem tudo para avançar nessa direção, aproveitando o conhecimento já disponível e as tecnologias que podem transformar o simples ato de estacionar em uma poderosa ferramenta de mobilidade urbana inteligente e sustentável.