Parece coisa de ficção científica, mas não é. Em Três de Maio, no Rio Grande do Sul, nasceu o primeiro vinho brasileiro criado com ajuda de Inteligência Artificial. Um blend digital, por assim dizer.
Antes que alguém imagine um robô produtor de vinhos, é bom esclarecer: a produção segue feita por mãos humanas. Plantio, colheita, fermentação… tudo igual. O papel da IA aparece na etapa do corte, ou seja, quando se decide a proporção ideal entre diferentes vinhos base para chegar a um blend equilibrado.
Funciona assim: a vinícola Casa Tertúlia alimentou o algoritmo com dados físico-químicos de centenas de vinhos — acidez, taninos, teor de açúcar, fenóis — e também com as notas que estes vinhos receberam em concursos internacionais. Com isso, a IA aprendeu a identificar padrões entre a composição dos vinhos e suas chances de serem bem avaliados.
Aí entra a parte genial: com quatro vinhos base disponíveis (os quatro tradicionalmente produzidos na vinícola — Marselan, Merlot, Teroldego e Cabernet Sauvignon), a IA simulou milhares de combinações possíveis de corte. E indicou aquela que, segundo seus cálculos, teria mais potencial de agradar jurados e consumidores.
O resultado desta receita criada pela IA é o rótulo IA, que degustei enquanto conversava com os responsáveis pelo projeto: a enóloga Viviane Hilgert, matriarca da Casa Tertúlia, e o filho engenheiro, Gabriel Hilgert.

Gabriel destaca que, na prática, a receita criada pela IA é como um mapa que orienta as escolhas da enóloga. “A Inteligência Artificial não substitui a sensibilidade de quem conhece o estilo da vinícola e o gosto dos clientes que acompanham a marca”, explica.
E afinal, o vinho agrada?
O vinho IA é, definitivamente, equilibrado, apesar de não ter emocionado meu paladar. Mas o objetivo da Casa Tertúlia é ambicioso e sensato: usar tecnologia para valorizar lotes de qualidade média, criando blends com maior potencial de mercado. Um jeito de tornar vinhos bons mais acessíveis, sem abrir mão da autenticidade.
Provavelmente os enochatos vão torcer o nariz, reclamar de “padronização” ou se perguntar se a IA entende de terroir. Mas vamos combinar: se já aceitamos tantas intervenções e tecnologias para otimizar a produção de vinhos, por que não um algoritmo brasileiro ajudando a criar cortes mais afinados?
No fim das contas, o vinho continua sendo o que sempre foi: uma mistura de natureza, técnica e cultura. A diferença é que agora temos mais uma ferramenta nessa equação. E talvez ela nos ajude a tirar maior proveito de safras e lotes medianos.
Tim tim para o blend digital. E vida longa à criatividade no mundo do vinho.