Exploração midiática da exclusão social. Por Elson Pereira

Artigo de Elson Pereira, urbanista e presidente da federação PSOL/Rede em SC

Essa ação do prefeito de Criciúma, que se disfarça de morador de rua para “entender a realidade” e “avaliar políticas públicas”, merece uma crítica contundente por pelo menos três razões centrais:

  1. Negação do conhecimento acumulado pelas ciências sociais e pelo Serviço Social.
    O experimento desconsidera décadas de produção acadêmica, científica e técnica sobre a população em situação de rua. O Serviço Social, campo que se debruça cotidianamente sobre as contradições sociais e as múltiplas dimensões da pobreza urbana, é solenemente ignorado em nome de uma experiência anedótica, superficial e espetacularizada.
    Reduzir a complexidade das políticas públicas à vivência de um dia demonstra um desprezo pela escuta qualificada de assistentes sociais, psicólogos, pesquisadores e dos próprios sujeitos afetados. O que se apresenta como sensibilidade é, na verdade, uma operação de apagamento do saber construído coletivamente por profissionais comprometidos com a ética e os direitos humanos.
  1. Espetacularização da miséria e reforço de estigmas
    O prefeito não “viveu” como uma pessoa em situação de rua. Ele fez um teatro de um dia, com hora para começar, hora para terminar, segurança garantida e equipe de filmagem. Esse tipo de ação não humaniza os sujeitos — pelo contrário, reforça estereótipos, coloca a miséria como performance e tenta gerar comoção midiática às custas do sofrimento real.
    Ao dizer que “ganhou R$5 em 15 minutos” ou que “sua família não o reconheceu”, a ação parece sugerir que a pobreza está ao alcance de todos e que a população de rua se mantém na rua por escolha ou facilidade. Isso despolitiza a questão estrutural da exclusão urbana e invisibiliza fatores como a desproteção social, a precarização do trabalho, o racismo e os ciclos de violência institucional.
  2. Reforço da lógica punitivista e higienista
    A frase final do prefeito — “Precisamos tirar as pessoas das ruas com dignidade e firmeza” — é reveladora. “Firmeza”, neste contexto, não é sinônimo de cuidado: é a senha para justificar remoções forçadas, internações compulsórias, criminalização da pobreza e a “limpeza” das ruas para consumo turístico e segurança patrimonial.
    Ao dizer que “as praças são para as famílias” e não para “o uso de drogas”, o prefeito reforça uma dicotomia violenta entre “cidadãos de bem” e “desviantes”, legitimando políticas de segurança que visam esconder os pobres — e não transformar suas condições de vida.
    Em vez de experimentar, escutar e investir!
    O enfrentamento das desigualdades urbanas não virá de ações simbólicas individualizadas, mas de:
    escuta ativa dos profissionais da assistência social e da saúde mental;
    investimento em políticas de habitação, saúde, renda e cuidado;
    garantia de autonomia e protagonismo às pessoas em situação de rua.
    A cidade democrática se constrói com justiça social, não com encenações. Política pública se faz com responsabilidade coletiva, e não com vaidade pessoal disfarçada de empatia.
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