Fim dos hospitais de custódia: o que o Brasil pode aprender com outros países

Na manhã desta terça-feira, deputados, representantes sindicais, policiais penais, representantes do governo do Estado, do Poder Judiciário, do Conselho Regional de Medicina e Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina se reuniram para discutir o fim dos hospitais de custódia na Assembleia Legislativa do estado (Alesc). A discussão foi liderada pelo deputado Vicente Caropreso (PSDB), que apresentou um histórico sobre a Lei 10.216/2001, conhecida como Lei Antimanicomial, que baseou a decisão do CNJ para o fechamento dos hospitais de custódia.

Para além do fechamento, a discussão se norteou sobre o preparo do sistema público de saúde do estado.

O sistema de saúde de Santa Catarina não está preparado para absorver a demanda com o fechamento do Hospital de Custódia, já que parte dos pacientes deverão ser encaminhados para a rede hospitalar geral e para os CAPs, que hoje não têm condições de receber essa demanda – disse a desembargadora Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, que preside o Grupo de Monitoramento e Fiscalização dos Sistemas Prisional e Socioeducativo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

A situação é tão critica que o secretário de Estado da Saúde, Diogo Demarchi, compartilha da opinião de que o sistema de saúde não está preparado para atender a demanda. Segundo explicou, os hospitais gerais têm um limite de 15% para leitos psiquiátricos. O Estado tem também o Instituto de Psiquiatria (IPQ) que atende principalmente emergências psiquiátricas.

No final da década de 1980, o IPQ tinha mais de mil leitos psiquiátricos. Hoje, são 185 leitos e 72 pessoas que moram no instituto. Santa Catarina não está totalmente preparada para absorver a demanda do HCTP- disse na reunião.

Agora uma nova medida norteia a discussão. Isto porque o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) solicitou uma nova liminar para impedir o fechamento do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Florianópolis. A 6ª Promotoria de Justiça da Capital baseou seu pedido em um recente precedente do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitiu ao Estado do Rio de Janeiro manter sua instituição aberta. O caso está agora sob análise do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

E os outros países, como fazem?

Se por aqui a discussão permanece acirrada sobre o fechamento ou não dos hospitais, países como Estados Unidos, Reino Unido e Áustria possuem outras soluções.

Nos Estados Unidos, pessoas consideradas com sofrimento psíquico no momento do crime são enviadas para hospitais psiquiátricos forenses em vez de prisões. Lá, recebem tratamento até serem consideradas aptas para reabilitação ou para voltar à sociedade. Há também prisões comuns com unidades de saúde mental que oferecem tratamento aos detentos com transtornos psiquiátricos.

Foto: Hospital Forense que interna pacientes nos EUA
Créditos: Robyn Beck/AFP

No Reino Unido, há os chamados “Hospital Orders”. Para enviar pacientes nestes locais, os tribunais podem emitir ordens para que indivíduos com transtornos mentais sejam internados em hospitais psiquiátricos em vez de prisões. Esses hospitais oferecem tratamento até que o paciente esteja estabilizado.

Há também o “Diversion Schemes“, um programa que encaminha indivíduos com problemas de saúde mental para serviços de tratamento adequados, em vez de processá-los criminalmente. Esses programas reconhecem que muitas vezes os comportamentos criminais podem estar relacionados a condições de saúde mental não tratadas e buscam uma abordagem mais humanitária e eficaz para lidar com esses casos.

Durante o período de tratamento, o progresso do indivíduo é monitorado de perto. Isso pode envolver audiências regulares perante um juiz ou um conselho de saúde mental para revisar o status do tratamento e determinar a continuidade do programa de desvio.

Esta solução é semelhante ao que indica a decisão do CNJ. No entanto é preciso lembrar que o NHS, o sistema de saúde pública do Reino Unido, é considerado um dos melhores do mundo.

Na Alemanha, há medidas de segurança e reabilitação, onde os indivíduos com transtornos mentais graves podem ser internados em instituições psiquiátricas especiais, onde recebem tratamento até serem considerados não mais perigosos. Há também programas de reabilitação comunitária para ajudar na reintegração de ex-pacientes na sociedade.

Na Áustria, também há hospitais especializados para pessoas que cometem crimes e são consideradas em sofrimento psíquico. Por lá o serviço se chama “Forensic Mental Health Services“.

Há ainda alguns estados que têm tribunais de saúde mental que oferecem alternativas ao encarceramento, priorizando o tratamento. Este serviço é chamado de Mental Health Courts.

O principal objetivo é garantir que os indivíduos com transtornos mentais recebam tratamento adequado para suas condições, em vez de serem simplesmente punidos pelo sistema judicial.

Os tribunais de saúde mental são apoiados por uma equipe multidisciplinar que pode incluir juízes especializados em saúde mental, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e defensores públicos. Esta equipe colabora para garantir que o plano de tratamento seja adequado e eficaz.

Durante o período de tratamento, o progresso do indivíduo é monitorado de perto pelo tribunal. Isso pode envolver audiências regulares para revisar o status do tratamento, ajustar o plano conforme necessário e decidir sobre a continuidade da participação no programa.

Os exemplos atestam, mais uma vez, enquanto se discute a liberação dos pacientes em sofrimento psíquico, se apequena a necessidade de investimento em um sistema de saúde pública que absorva a demanda por saúde mental. Te desafio, caro leitor, a me dizer quando foi a última vez que nosso sistema “deu conta” da epidemia crescente de transtornos mentais. Nem o público, nem o privado. Está cada dia mais impossível suprir a necessidade da população.

O último relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2020 mostrou que a situação da saúde no mundo não é boa, especialmente quando se trata de cuidados com a saúde mental. Isso não é diferente do que acontece no Brasil, onde muitos enfrentam dificuldades para receber ajuda adequada para problemas mentais. A OMS publica um relatório chamado Atlas de Saúde Mental a cada três anos. Esse relatório reúne informações de todos os países sobre seus sistemas de saúde e ajuda a definir políticas e ações para melhorar os serviços de saúde mental.

No entanto, os dados mostram que, mesmo antes da pandemia de Covid-19, pouco progresso foi feito para melhorar os cuidados com a saúde mental. Os números já eram preocupantes, e no Brasil, mais de 18 milhões de pessoas são afetadas por problemas mentais.

A pandemia só piorou as coisas, aumentando a necessidade de ajuda para lidar com questões de saúde mental. Hoje, há uma grande necessidade de mais psiquiatras e psicólogos, mas não há muitos especialistas disponíveis, nem mesmo na rede privada. Isso significa que muitas pessoas que precisam de ajuda não a estão recebendo, o que é um grande problema para a saúde mental global e no Brasil.

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