Generalização: um passo reacionário

Breno Altman no texto abaixo sustenta que “não há setor da burguesia nacional disposto a fazer reformas estruturais”. Afirmação genérica, a começar pela referência à “burguesia” nacional, seguida de uma ideia de “setor”, da qual se depreende setores, todos em seu conjunto desinteressados em reformas estruturais. Pesquisas empíricas podem ser questionadas. Mas as associações de indústria e comércio em cada estado da federação devem ter muito ainda a dizer.

A burguesia nacional (?) como um conceito classista é um abstrato um tanto vago para forçar uma unidade relativamente ambígua, se tomarmos por referência a situação concreta de uma classe tão diferenciada em setores da produção (e da reprodução) quanto heterogênea nos interesses como participantes do mercado capitalista. Nem entro aqui nos outros interesses de grupos, inclusive de classe e suas frações, aqui menos genericamente considerada, centrada nos altos quadros da classe trabalhadora de trânsito diuturno nos meandros escusos dos interesses casados entre privado e público, particular e de Estado.

O jornalista Breno Altman poderia responder a três questões básicas relacionadas.

  1. Os governos desde FHC passando por Lula e Bolsonaro, mesmo diferentes ideologicamente, não se identificaram numa preponderância para ampliar a acumulação do capital financeiro (este não parece ter fronteiras físicas) em detrimento de um processo social de reindustrialização nacional em outro padrão de desenvolvimento?
  2. Lula ao tender a certo pragmatismo por políticas localizadas de reparação de danos (diminuição das desigualdades sociais via políticas integrativas), não optou por ampliar a composição com os setores do agronegócio e outros  irmanados com grandes grupos e bancos (transacionais), não dando real importância para a construção de lutas por eliminação de desigualdades (abandono da utopia igualitária pois os movimentos sociais foram quase todos dissolvidos na cooptação dentro da máquina burocrática do Estado?  
  3. Essas duas condições não condenam a questão legítima para socialistas que é a da necessidade de reformas estruturais, pois cristalizam  o conceito de transformismo, agora reeditado no terceiro governo e com isso mina  a possibilidade real de fortalecer a classe trabalhadora em geral e milhões de empreendedores (burgueses?) esmagados pelo capital canibal e interessados num outra direção do mercado que não a da financeirização seletiva e excludente?

A generalização pode servir para retóricas estratégicas, mas é um tiro no pé quando amplia uma simplificação do mundo complexo. Mantras devem permanecer no terreno de outra esfera que não a do campo da política. A persistir uma visão classista do século XIX na análise social perdemos a capacidade de atualizar conceitos diante de um mundo no qual a luta de classes não morreu mas se metamorfoseou de uma maneira que novos conceitos devem ser colocados diante dos clássicos, para impedir (e não produzir) a escalada da ultradireita como “novidade” global.

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