Artigo de Rejane Silva Sánchez, advogada, diretora de relacionamento com a Justiça do Trabalho da OAB/SC

Algumas notícias, apesar de impactantes, só ganham espaço em sites especializados. É o caso de recentes condenações a advogados que, em suas manifestações processuais, trouxeram jurisprudência fictícia para apoiar os argumentos apresentados.
Ocorreu recentemente no Tribunal Superior do Trabalho, com o ministro relator afirmando que “Não se trata de equívoco, mas de completa adulteração do conteúdo”, e condenando advogados e partes a penas pecuniárias, além de comunicar o caso à OAB Nacional.
Eventos semelhantes vêm se repetindo, e todos guardam a mesma origem: o uso de Inteligência Artificial Generativa na redação de peças jurídicas.
É comum se afirmar que a IA não nos deixa sem resposta, mesmo que precise inventar uma, o que se convencionou chamar de “alucinação” da ferramenta. Acontece que o resultado, para o mundo jurídico, resulta em títulos de obras, números de processos, decisões e autores que jamais existiram, levando ao que se denomina litigância de má-fé e uso consciente de informações falsas, ambos puníveis conforme previsão legal.
O endeusamento da tecnologia pode nos levar a uma dependência que já é bastante questionada, como o vício nas telas que reduz o contato com a realidade. No caso do exercício profissional, as consequências podem redundar em graves punições, que irão além do bolso de quem faz uso dela descuidadamente.
Nos EUA juízes determinam que petições elaboradas com auxílio de IA devem ser identificadas, para que se possa aferir a precisão dos argumentos. Aqui no Brasil já se rejeitou manifestação que trazia marca d’água indicando “criado com Mobi Office” em todas as páginas.
Não se nega que a IA é um valioso apoio para quaisquer profissões, mas é preciso enfatizar que a contribuição pessoal do interessado, conferindo as informações, fará toda a diferença, dando credibilidade ao resultado final.
Para o jurista Lênio Streck, o que vem ocorrendo “É apenas a ponta do iceberg da agnotologia jurídica que vem aí!”. Agnotologia, como se sabe, é o estudo da ignorância, da produção e manutenção deliberada da ignorância, e do seu impacto na sociedade.
Longe dessa visão catastrofista, ainda assim é difícil sentir tranquilidade ante o crescimento dos casos que, seja na produção acadêmica, seja nos tribunais, podem levar profissionais ao irreparável descrédito, mesmo após longos anos de atuação.
O Conselho Nacional da OAB, com o objetivo de orientar a advocacia quanto ao uso da inteligência artificial generativa na prática jurídica, com ética, segurança e responsabilidade, emitiu a Recomendação N.001/2024, suportada em quatro pilares: Legislação Aplicável, Confidencialidade e Privacidade, Prática Jurídica Ética e Comunicação sobre o Uso de IA Generativa. A expectativa é que, com tais práticas, advogados e escritórios garantam a proteção dos dados dos clientes e atuem alinhados às exigências éticas e legais do setor.