
Nesta minha coluna Fora do Tom debaterei um texto que, ironicamente, está totalmente dentro do tom.
Refiro-me ao artigo do meu amigo André Balaban, publicado recentemente na imprensa catarinense com o seguinte título: “Este artigo foi escrito por IA”.
Um texto provocador e necessário sobre os desafios e limites do uso da Inteligência Artificial na comunicação.
André é um dos profissionais mais brilhantes que conheci recentemente. A propósito, ele é sócio da agência que criou a belíssima identidade visual do Instituto Perillo. E, como sempre, neste texto ele escreveu com clareza e uma boa dose de ironia.
Eu concordo com quase todas as premissas de seu artigo. Sim, o que convencionamos chamar de IA é apenas uma ferramenta. Poderosa e fascinante, mas ainda assim uma plataforma.
O lápis, o Photoshop ou o Google também são ferramentas. A gente aprende a usar, se adapta, e elas nos ajudam nas tarefas do dia a dia. Até aí, sem polêmica.
Mas tem um trecho no artigo do André que me travou. Esta frase, especificamente: “a criação é uma prerrogativa humana por definição”.
Será que é mesmo? Ou estamos apenas tentando proteger um certo orgulho criativo que, aos poucos, vai sendo confrontado?
Porque se eu entrego para a IA um briefing com contexto, diagnóstico, análise, tom de voz, cenário e objetivos estratégicos e recebo de volta um discurso com frases de efeito, estrutura de raciocínio e linguagem (que eu talvez não tivesse formulado sozinho) isso seria só lapidação? Ou já seria um novo tipo de criação?
Como é de praxe neste espaço, vamos a um exemplo prático.
Tempos atrás, eu solicitei à ilustríssima Inteligência Artificial um texto para um candidato que precisava se reposicionar politicamente durante um debate. O político tinha perfil técnico, era visto como alguém distante das pessoas e precisava se mostrar mais próximo, sem abandonar a autoridade.
O desafio era esse: escrever uma fala de poucos segundos, em tom firme, mas empático. E com uma frase-manchete que o definisse.
(Em tempo: o briefing foi bem mais completo — aqui é só o resumo que coube na coluna.)
A resposta da IA foi mais ou menos assim:
“Eu sei que muitos me veem como técnico demais. Mas quem me conhece sabe: eu sou o cara que estuda o problema para encontrar solução e não o tipo que faz promessa no calor da hora. Eu não estou aqui pra vencer debate. Estou aqui pra vencer desafios e ser o melhor prefeito que esta cidade já teve. Porque as pessoas daqui não precisam de um herói. Precisam de alguém que faça o certo, mesmo quando não é o mais fácil.”
Sinceramente essa resposta, embora não seja perfeita, flerta com a criação. Porque tem tom, impacto e segue a ideia original. Foi baseada no que entreguei no briefing, é verdade. Mas com uma elaboração que vai além da simples recombinação de frases prontas.
E aqui falo também por experiência própria. Já escrevi textos em que passei horas, dias até, “debatendo” com a IA sobre cada parágrafo. Entreguei briefing completo, recebi a primeira versão, questionei, levei contrapontos e reescrevi junto.
Foi um duelo criativo real: eu usei muito da minha inteligência e a máquina me respondeu com argumentos. No fim, surgiu um texto que não veio pronto, mas de uma cocriação intensa.
Aliás, quem já escreveu usando prompts bem calibrados sabe: podemos ensinar a máquina a “pensar” como a gente, a manter nosso estilo e sensibilidade. Ou seja, a responder como responderíamos.
E isso nos leva a uma pergunta incômoda, que é a razão de ser desta coluna: se ela responde como nós, será que já não está criando também, à nossa imagem e semelhança?
Agora, uma confissão que pode chocar os nobres leitores: eu já escrevi artigos para este site com ajuda da Inteligência Artificial. Outros foram puramente autorais.
E, sinceramente, duvido que o leitor, mesmo aquele que me conhece muitíssimo bem, consiga apontar com segurança quais foram quais.
E talvez aí esteja a provocação final: se não dá pra distinguir, será que a criação ainda é só humana?
P.S.: A imagem que ilustra este artigo, ironicamente ou não, foi feita com ajuda da IA.