Imposto do pecado e a ameaça de morte ao vinho brasileiro

Quem acompanha o cenário político-econômico nacional certamente já esbarrou em manchetes sobre o tal Imposto Seletivo, apelidado de “imposto do pecado”. O nome pode até parecer exagerado, mas o assunto é sério. E envolve diretamente o vinho que você escolhe colocar na taça.

No último dia 4, a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados discutiu os impactos desse imposto sobre o setor vitivinícola nacional. A audiência pública reuniu produtores, deputados (aliás, vários do Rio Grande do Sul e nenhum de Santa Catarina), economistas e representantes de entidades do setor, todos com um objetivo comum: entender o que está em jogo com a nova proposta tributária.

O peso do novo imposto para o mercado de vinhos brasileiros assusta produtores. Um temor que ficou evidente na fala do deputado estadual gaúcho Guilherme Pasin (PP):

“O imposto seletivo é uma ameaça de morte ao vinho nacional. Se nada for feito, nossa geração será responsável por acabar com o setor do vinho brasileiro”, declarou na audiência.

Mas o que é, exatamente, esse imposto?

O Imposto Seletivo está previsto na Reforma Tributária aprovada em 2023 e tem como alvo produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. A ideia é desestimular o consumo, especialmente entre a população mais jovem e/ou de baixa renda. 

O problema é que ali estão, no mesmo balaio, cigarro, bebidas açucaradas, o mercado de apostas, bebidas importadas de baixa qualidade e… um espumante produzido artesanalmente na serra catarinense, por exemplo. 

Ainda não há nenhuma definição sobre valores do novo imposto e nem sobre a forma de cálculo (por exemplo, se as alíquotas serão calculadas a partir do volume produzido ou do teor alcoólico do produto). Na audiência, João Hamilton Rech, assessor da Secretaria Especial da Receita Federal, sinalizou que a Receita pretende sugerir um cálculo que considere os dois fatores (volume e teor alcoólico). 

Os detalhes ainda estão em estudos e precisarão da aprovação do Congresso Nacional para que comecem a valer em 2027. 

Para produtores nacionais, dependendo de como for aprovado, o novo imposto pode ser o golpe final num setor que vem lutando contra inimigos bem conhecidos: carga tributária já pesada e o contrabando desenfreado.

Vinho nacional em seu melhor momento

O vinho brasileiro pode até ocupar pouco espaço nas gôndolas, mas vem apresentando um crescimento muito impactante. A produção que até bem pouco tempo era restrita ao sul do país, especialmente ao Rio Grande do Sul, hoje se espalha por pelo menos 17 estados. 

Novas tecnologias de manejo das videiras permitem a produção de uvas com qualidade para vinhos finos em estados até do nordeste brasileiro.

Segundo dados da União Brasileira de Vitivinicultura – Uvibra, apresentados na audiência na Câmara, hoje, o Brasil tem mais de 930 vinícolas e cooperativas que produzem cerca de 390 milhões de litros de vinho por ano.

Com um detalhe importante: o perfil destes produtores é bem diferente daquele que muita gente imagina quando pensa em “indústria do vinho”. Estamos falando de uma cadeia produtiva formada majoritariamente por pequenos produtores, com propriedades de menos de quatro hectares.

E vale lembrar que vinho é um produto agrícola, com ciclo de produção anual. Isso significa que fatores climáticos imprevisíveis como geadas, excesso de chuva ou calor intenso podem comprometer toda a safra.

Na audiência, Mauricio Salton, diretor da Uvibra, chamou a atenção para um contraste curioso: enquanto a União Europeia classifica o vinho como alimento em alguns países – gerando inúmeros benefícios fiscais e até subsídios – aqui ele pode entrar para a lista de “pecados tributáveis”. Ou seja, enquanto lá fora o vinho é incentivado como parte da cultura gastronômica, por aqui ele é empurrado para a marginalidade fiscal.

Contrabando: o inimigo silencioso

Luciano Stremel Barros, do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF), trouxe dados de deixar qualquer um de boca seca: de 2020 a 2024 foram apreendidos 250 milhões de reais em vinhos contrabandeados no Brasil. “Pela nossa capacidade de fiscalização e vigilância nas fronteiras, acreditamos que isso represente apenas 5% do que, de fato, entrou no mercado brasileiro”, explicou. Hoje, o vinho representa 85% das bebidas apreendidas nas fronteiras. 

Ou seja: enquanto as vinícolas brasileiras convivem com alta carga tributária e fiscalizações constantes, o mercado ilegal cresce sem freio, sem imposto e sem controle sanitário.

Leia também: Seu vinho tem o selo do descaminho?

E o consumidor, onde entra?

No meio desse cenário, está o consumidor que muitas vezes escolhe com base no preço, sem saber a origem e as condições de produção daquele vinho. É aí que entra a importância da informação e da consciência de consumo.

Diogo Siqueira (PSDB), prefeito de Bento Gonçalves, cidade que representa o maior polo produtor de vinhos do Brasil, foi enfático na audiência na Câmara: “O consumidor não vai deixar de comprar vinho. Ele vai buscar os mais baratos, que chegam pelo contrabando, até adulterados. Então a nova tributação não vai trazer os resultados que os burocratas querem para tentar melhorar a saúde do nosso povo”. 

Se o objetivo da nova tributação é proteger a saúde pública, talvez seja interessante começar pela base: estimular a educação sobre o consumo responsável e coibir práticas ilegais que colocam a saúde (e a economia) em risco.

No fim das contas…

A discussão está só começando. E vai exigir tanto equilíbrio quanto um bom vinho. Nenhum setor está imune ao debate sobre sustentabilidade, responsabilidade e impacto social. Mas quando se trata do vinho nacional, vale lembrar que estamos falando de uma cadeia produtiva extensa, que envolve agricultura familiar, turismo, pesquisa, tradição e inovação.

Talvez a pergunta não seja se o vinho deve ou não ser taxado. Mas como fazer isso sem colocar o setor inteiro em risco e sem empurrar o consumidor ainda mais para as prateleiras do mercado informal.

E para terminar: como consumidora e cidadã catarinense, eu adoraria ter visto representantes do mercado de vinhos de Santa Catarina, associações e produtores envolvidos no debate. A ausência deles reflete na também lamentável ausência dos parlamentares catarinenses na audiência. Sem debate político não há chances de ajustes favoráveis ao setor. No fim, perderemos todos, produtores e consumidores.

Tim tim.

Beatriz Cavenaghi é jornalista, doutora em Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e sommelière pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-SC). @beacavenaghi no Instagram

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