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8 de setembro de 2024

O carnaval da Ilha passa, a luta e a magia ficam. Por João Marcos Buch

Desembargador substituto João Marcos Buch

Por João Marcos Buch

Escrevo este texto no último dia de carnaval, não consegui esperar até o fim da festa, encantado que estou com a magia da terra de Franklin Cascaes.

Não posso falar com propriedade do carnaval, não tenho conhecimento para tanto, sei dele empiricamente, por participação localizada ao longo da vida, desde os bailes dos clubes na minha aprazível cidade natal, até os trios elétricos do circuito Barra-Ondina de Salvador e as pinceladas na Marquês de Sapucaí no Rio. Mas, carnaval mesmo, de raiz, da Portela, dos Filhos de Gandhi e das Cores de Aidê, deste nada sei. Resigno-me a ser tão somente um admirador.

Posso, entretanto, falar sobre a experiência destes últimos cinco dias em Florianópolis e a força política desta que é a maior festa popular do planeta, o que, ao fim e ao cabo, não há como fugir, é falar de carnaval.

A última vez que passei a folia por aqui, foi quando estava estudando para o concurso da magistratura, já faz décadas, ou seja, não se pode dizer que participei da festa na ocasião. Ficar recluso em um apartamento, debruçado sobre livros dia e noite, passando longe de qualquer tipo de folguedo…

Houve uma outra vez em que desfilei pela Embaixada Copa Lord, mas foi tão rápido, em bate-volta, que a experiência ficou apenas na ponta do pé.

Desta vez, em vias de completar um ano de morada na ilha da magia, posso afirmar que degustei um pouco do seu carnaval. Adquiri camiseta de bloco, vi as baterias e os grupos Afro na Praça XV, aos pés da Catedral, acompanhei aglomerações no Baixo Centro e no Centro Leste, encontrei com amigos em pracinhas.

Acabei não indo para as praias e não vi o desfile das escolas, mas, com pessoas próximas participando, tive uma ideia do conceito que irrompeu na Passarela Nego Quirido, da beleza dos desfiles em Santo Antônio de Lisboa e dos costumes que marcam as tradicionais marchinhas do Campeche.

Como a quase totalidade das cidades brasileiras, Florianópolis também se transforma. Só que a ilha vai um pouco além. Esse pedacinho de terra perdido no mar torna-se uma apoteose, onde todos os espaços são ocupados, se não pelo vento que carrega os batuques, então pelos festeiros que saltam como se pudessem encostar no Olimpo, ou melhor, em Aruanda.

São dias de muita efervescência. Manezinhos e turistas se unem em um único balanço, sacolejando seus corpos e brindando a alegria. E, o principal, a potência do coletivo, da periferia, das favelas, pulsa como se a ilha fosse um grande coração. As grupos Afro vão conquistando o espaço do povo preto ignorado da ilha, os povos originários despejam suas tradições tão vilipendiaras, LGBTs libertam-se e tomam lugar de destaque contra a homofobia, e a classe operária grita por direitos ainda não alcançados. Tudo vira um corpo só, junto e misturado, numa enorme manifestação de igualdade democrática.

O resultado é que a essência da política, velha conhecida, que remonta à participação na comunidade, no projeto coletivo de vida, apresenta-se com toda sua beleza e ideal.

Pode parecer que quando a festa acaba e a catarse se dissipa numa cinza quarta-feira, a vida volta ao seu estado anterior, do cotidiano muitas vezes cruel e opressor. Tenho minhas dúvidas, acho que em cada um permanece aquela sensação de que é possível viver com justiça social, amando-se, sendo solidário e fraterno.

Zininho muito bem entoou em seu hino de amor à ilha: “jamais a natureza
reuniu tanta beleza, jamais algum poeta
teve tanto pra cantar!”

Floripa pode ser um eterno carnaval.



João Marcos Buch é desembargador substituto no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

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