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3 de julho de 2024

Mulher, política e desinformação: caminhos cruzados. Por Karine Liz

Karine Liz é integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

Por Karine Liz

Na relação das poucas certezas dessa vida pode-se acrescentar que na evolução da humanidade a desinformação sempre esteve presente. Embora os meios e o alcance tenham variado a depender da época e lugar.

Sendo assim, e olhando mais de perto a caminhada das mulheres, cabe perguntarmos: Que desinformações foram tomadas como verdades sobre as mulheres? E que papel as mulheres tiveram e tem na política apesar dessas desinformações?

Segundo o sociólogo Erving Goffman, o grande ópio do povo não é a religião, mas o gênero, porque desde sempre essa foi a disputa. Disputa quase sempre reduzida à ideia simplista de “mulheres versus homens”.

Ideia simplista e polarizada, de um lado sempre opressor e outro sempre vitimizado, que precisa ser desconstruída como bem alerta a escritora Isabelle Anchietta – pois isso nos tira a dimensão tanto dos atos opressores e violentos (que existiram e existem de forma direta ou dissimulada por parte de determinados homens, e também de algumas mulheres); e porque isso nos aliena do reconhecimento de nossas potências femininas e das qualidades masculinas.

Mas vejamos alguns exemplos de desinformações sobre mulheres.

Uma concepção muito difundida foi a de que as bruxas eram mulheres más, feias, dedicadas ao culto de magias e profanações. Porém, quem eram elas realmente?

No geral, elas eram as médicas dos pobres que buscaram nas ervas a cura para os doentes. Também faziam a mediação com o divino de uma forma diferente da preconizada pela visão predominante masculina da época.

Na verdade, a perseguição por bruxaria vai ser a justificativa oficial para a perseguição de mulheres e homens que incomodavam política ou socialmente. Dois exemplos marcantes disso são Joana D’arc e Giordano Bruno.

Outra mulher sobre a qual os fatos são pouco esclarecedores é Maria Madalena. É comum associar o seu nome a um passado de prostituição. Na realidade, essa associação é uma tradição que não encontra referência explícita na Bíblia.

Mas qual é a força de Maria Madalena?

Ela será a ponte da Igreja Católica para a Modernidade. A simbologia construída ao seu redor vai somar-se a de Maria, na busca por humanizar a Igreja.

Interessante que no curso da história teremos prostitutas e cortesãs que alcançarão um poder que foi negado a muitos homens em razão da dinâmica social muito rígida em épocas passadas.

Uma delas é Verônica Franco, que viveu em Veneza no século XVI. Ela foi marcante pela beleza, cultura e visão moderna que possuía dos direitos das mulheres tornando-se uma das pessoas mais influentes politicamente daquela região.

Antes disso, em 1405, Chistine de Pizan escreve “A Cidade das Damas”, livro no qual ela discute as muitas razões para o que se chama de ódio contra as mulheres.

São dois exemplos pouco conhecidos, dentre muitos, que demonstram que as mulheres tiveram, nos espaços possíveis, capacidade de articulação, o que não excluiu as realidades de sofrimento.

Um outro registro surpreendente: em 350 a.C Platão escrevera em sua obra “A República”, que “…não há nada que diferencie a mulher do homem, a não ser o fato de nós termos as tomado como mais frágeis”.

Platão defendia que a mesma educação deveria ser dada a homens e mulheres, e que não haveria diferença que justificasse que elas não pudessem utilizar suas capacidades, inclusive para administrar cidades.

Infelizmente, posteriormente, Aristóteles e diversos outros pensadores buscarão justificar o cerceamento e a descrença na capacidade feminina.

E esse é um ponto central: a desinformação ao longo da história serviu muito para que as mulheres não se reconhecessem como capazes.

Embora isso não nos tenha impedido de agir, inclusive politicamente, tornou nosso caminhar mais bem difícil.

Essa ideia de insuficiência feminina alimenta ainda hoje desinformações sutis que acabam retardando o alcance de uma condição melhor das mulheres na sociedade e consigo próprias.

O ageísmo é um exemplo. Isso fica claro na ausência de atrizes com a idade verdadeira para interpretar mulheres maduras. Com isso há uma estereotipação das mulheres como se beleza e capacidade só existissem até determinada idade.

Outro exemplo é o fenômeno social chamado de Teto de vidro (glass ceiling) caracterizado pela dificuldade de acesso das mulheres a posições de liderança, principalmente aos mais altos níveis, em razão de barreiras culturais organizacionais, familiares e individuais.

Quantas vezes não fomos convenientes com o machismo disfarçado de liderança forte?

A política deve ser o espaço do diálogo para a construção do bem comum.

As mulheres possuem capacidade para estar nesse espaço sem que para tanto tenham de recorrer a estratagemas, se submeterem a falácias ou pagarem um preço alto por isso.

A humanidade ganha com o acesso explícito das mulheres ao poder. Sem isso haverá sempre uma sombra nefasta de mágoa, dor e injustiça na qual malefícios como a desinformação vicejam.


Karine Liz é integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e especialista em estudos sobre desinformação.
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