Artigo de Osvaldir Moreira Júnior, adestrador responsável e proprietário da MemorizaCão
Adestramento

No meu trabalho diário como adestrador de cães e educador de tutores, tenho
acompanhado com profunda preocupação a decisão do nosso Estado de Santa Catarina de
adotar leis que restringem a posse de cães do tipo pitbull. Talvez você já tenha ouvido que
essa é uma medida para “proteger” ou “educar”, mas a realidade é que a Legislação
Específica de Raças (BSL – Breed-Specific Legislation) é uma solução simplista para um
problema social complexo.
Qualquer cão pode morder, independentemente da raça.
É um fato que mordidas de cães representam um risco real à saúde pública em nossas comunidades. E, como especialistas, sabemos que a questão dos “cães perigosos” e a segurança pública são complexas. O que determina a probabilidade de um cão morder e a gravidade de uma lesão não é a raça em si. São o histórico individual do cão, seu comportamento, o porte, a situação em que ele está e, principalmente, as ações do seu
tutor. Proibir uma raça inteira é uma resposta rasa que desvia o foco e os recursos de abordagens que realmente funcionam.
O problema com a Legislação Específica por Raça
A AVMA (Associação Americana de Medicina Veterinária), uma das maiores referências no tema, se opõe a qualquer legislação que vise raças ou tipos específicos de animais. A única lei que faz sentido, segundo eles, é aquela que se concentra em promover a segurança pública contra cães classificados como perigosos por suas ações, não por sua aparência.

Há diversos motivos pelos quais proibições e restrições de raças são uma abordagem irresponsável:
1 – Dificuldade de Aplicação e Identificação Imprecisa: As leis BSL são, por natureza, difíceis de aplicar. “Pitbull” não é uma raça, mas um tipo. No Brasil, isso inclui o American Pit Bull Terrier, o American Staffordshire Terrier e inúmeros mestiços (SRDs). Estudos já provaram que mesmo pessoas familiarizadas com cães não conseguem determinar a raça de um cão misto com certeza, levando a classificações incorretas e, por fim, a leis vagas e impraticáveis.
2 – Discriminação contra Tutores Responsáveis: Ao generalizar o comportamento de cães por sua aparência, leis como a de SC fazem com que cães inocentes e seus donos sofram. Famílias responsáveis, que amam seus cães e os mantêm socializados e saudáveis, são criminalizadas. Cães que poderiam estar servindo a sociedade em funções como resgate ou serviço são injustamente estereotipados e marginalizados.
3 – Falsa Sensação de Segurança: O maior perigo da BSL é que ela não aborda a raiz do problema: a posse irresponsável. Proibir uma raça pode dar à comunidade uma falsa sensação de segurança, fazendo com que tutores de outras raças negligenciem a importância da socialização e do treinamento adequados. Com a
proibição, o problema não desaparece, ele apenas se move para a próxima raça da lista.
A Falha das Estatísticas
Muitas vezes, a justificativa para essas leis se baseia em estatísticas de mordidas. Mas esses números são inerentemente falhos: a raça de um cão que morde é frequentemente desconhecida ou relatada incorretamente. O número real de cães de uma raça em uma comunidade é desconhecido. Por isso, não é possível calcular a verdadeira taxa de mordidas por raça.
No entanto, uma revisão de pesquisas mostra que a conexão entre raça e risco de mordida é fraca ou inexistente, enquanto variáveis de posse responsável, como socialização, castração e contenção adequada, são os fatores de risco mais importantes.
Uma solução melhor para a prevenção de mordidas de cães
Em vez de leis discriminatórias, devemos focar na promoção da posse responsável e em métodos para identificar e responder rapidamente aos tutores cujos cães representam um risco real, independentemente da raça. Santa Catarina tem a chance de liderar pelo exemplo, priorizando a justiça e a ciência através de um modelo que:
Promova a Posse Responsável e a Identificação Obrigatória: A implementação do microchip obrigatório para todos os cães é a base da responsabilização.
Este registro em um banco de dados estadual permite o controle populacional e, principalmente, responsabiliza os tutores por atos como fugas de portões e abandonos, que são a origem de muitos cães problemáticos nas ruas. Cães microchipados podem ser identificados, e seus responsáveis, devidamente
penalizados.
Regulamente e Fiscalize a Criação: A lei deve diferenciar e penalizar severamente criadores clandestinos – que são a fonte de muitos cães com problemas genéticos e comportamentais. Em contrapartida, deve reconhecer e incentivar criadores sérios, que investem em aprimoramento genético, saúde, bem-estar e socialização dos
filhotes.
Incentive o Adestramento e Reconheça Profissionais: A lei deve incentivar a população a buscar o adestramento canino. Profissionais da área, como adestradores, veterinários e cinotécnicos, devem ser reconhecidos e ter flexibilidade para atuar em campanhas educativas em escolas e eventos de adoção. Isso não só valoriza o trabalho desses profissionais, mas também capacita a comunidade a entender e prevenir comportamentos de risco.
Crie Vantagens para o Cão Socializado: Devemos incentivar a obediência e a socialização. Provas de obediência e certificações de sociabilidade, emitidas por instituições reconhecidas (como a CBKC, UKC, etc.), podem ser bonificadas com mais regalias.
Um cão com certificação de bom comportamento, por exemplo, poderia ter o uso opcional da focinheira, provando que é o comportamento individual, e não a raça, que define a segurança.
A segurança e o bem-estar de todos não serão alcançados com proibições, mas com
conhecimento, educação e atitude.

Fotos: Agência AL