O agro encerra o ano sob um movimento claro de reorganização das regras do jogo.

No leite, um efeito dominó legislativo avança entre os principais estados produtores, redesenhando o mercado de laticínios e tentando frear uma crise que atravessou todo o ano.
No Congresso, a pauta agrícola fechou 2025 com balanço positivo no Senado, enquanto a Câmara acelerou projetos que mexem com crédito, investimentos, segurança no campo e tributação.
No mercado, o boi brasileiro assume a liderança global não só nas exportações, mas também na produção.
E, em Santa Catarina, políticas estaduais reforçam a proteção da lavoura diante de um cenário climático cada vez mais imprevisível.
É o agro ajustando regras, contas e estratégias – dentro e fora da porteira.
Leite no centro do tabuleiro
O ano termina com o leite novamente no centro da agenda política. Um movimento coordenado entre estados produtores vem avançando com leis que proíbem a venda de leite fluido produzido a partir de leite em pó importado, prática conhecida como reconstituição. A ofensiva busca proteger a renda do produtor local e combater o que o setor classifica como concorrência desleal.
A lógica é simples: ao usar leite em pó importado — sobretudo da Argentina e do Uruguai — para reidratar e vender como leite UHT ou pasteurizado, a indústria reduz a compra do leite in natura brasileiro, derrubando preços no campo e empurrando produtores para fora da atividade.
Goiás sanciona e puxa o efeito dominó
Goiás foi o estado mais recente a transformar o discurso em lei. O governador Ronaldo Caiado sancionou a legislação que veta integralmente a prática da reconstituição para venda como leite fluido. A medida veio após a entrada de 649 toneladas de leite em pó no estado apenas em 2024, drenando cerca de US$ 2 milhões da economia local.
Para o governo goiano, trata-se de preservar empregos, renda e garantir que o consumidor leve para casa um produto nacional e fresco.
Santa Catarina avança com texto rigoroso
Em Santa Catarina, a Assembleia Legislativa aprovou o projeto de lei de autoria dos deputados Altair Silva (PP) e Oscar Gutz (PL), que agora aguarda sanção do governador.
O texto catarinense é um dos mais duros do país: prevê apreensão do lote, multa dobrada em caso de reincidência e até cassação da inscrição estadual da indústria que descumprir a regra.
A Federação da Agricultura e Pecuária de Santa Catarina (Faesc) trata a medida como um divisor de águas diante de um cenário em que o produtor vinha operando no prejuízo.
Paraná já fechou a porta
O Paraná saiu na frente e hoje serve de modelo. Com legislação já vigente e regulamentada, o estado fechou as portas para a venda de leite fluido reconstituído a partir de produto importado. Como um dos maiores produtores do país, o movimento paranaense deu peso político à reação e acelerou iniciativas nos estados vizinhos.
Minas e Rio Grande do Sul na fila
Minas Gerais, maior bacia leiteira do Brasil, e o Rio Grande do Sul têm projetos em tramitação avançada. A pressão de entidades como FAEMG e Farsul cresce, e a expectativa é que ambos sigam o mesmo caminho ainda neste semestre, consolidando um verdadeiro cinturão de proteção ao leite nacional nas principais regiões produtoras.
A conta que não fecha no campo
Durante a tramitação em Santa Catarina, números escancararam o problema:
- Custo médio de produção: cerca de R$ 2,50 por litro;
- Preço recebido pelo produtor: entre R$ 1,60 e R$ 1,80;
- Prejuízo: quase R$ 1,00 por litro.
A avaliação do setor é que, sem correção dessa distorção, o êxodo da atividade leiteira se tornaria irreversível. Agora, com as leis estaduais, a expectativa é de retomada da demanda por leite cru nacional e algum fôlego nos preços pagos ao produtor.
Senado fecha 2025 com balanço positivo
No Senado, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) encerrou 2025 com 28 propostas aprovadas, 54 requerimentos deliberados e 15 audiências públicas realizadas. Sob a presidência do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), a comissão se consolidou como uma das mais ativas da Casa.
Entre os destaques estão o novo marco do Licenciamento Ambiental e projetos voltados ao fortalecimento do cooperativismo, crédito rural e segurança jurídica no campo.
Para 2026, a regularização fundiária e os impactos do Plano Clima aparecem como prioridades.
Câmara destrava crédito da agricultura familiar
Na Câmara dos Deputados, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou o uso de até R$ 500 milhões do Fundo Garantidor de Operações (FGO) para cobrir operações de crédito do Pronaf.
A proposta amplia o acesso ao crédito para agricultores familiares sem criar nova despesa obrigatória, utilizando recursos já disponíveis no fundo. O texto segue para o Plenário.
Fiagros e FIIs: texto segue para sanção
Também foi aprovado o projeto que regulamenta a tributação dos Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) e dos Fundos do Agronegócio (Fiagros), dentro da reforma tributária.
O texto, que dá mais segurança jurídica aos fundos, define critérios para isenção e estabelece regras claras para tributação, agora aguarda sanção presidencial.
Porte de arma no imóvel rural avança
Outro projeto aprovado na CCJ da Câmara essa semana, prevê a concessão de porte de arma para proprietários e trabalhadores rurais, restrito aos limites do imóvel.
A proposta segue para o Senado e reacende o debate entre segurança no campo e o papel do Estado no combate ao crime rural.
Boi na cabeça
O Brasil não é apenas o maior exportador de carne bovina do mundo há mais de duas décadas. Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), o país assumiu em 2025 também a liderança como maior produtor global, com 12,35 milhões de toneladas, superando os americanos.
A liderança, no entanto, vem acompanhada de cautela: para 2026, o cenário é de empate técnico, em um mercado pressionado por clima, custos e exigências ambientais cada vez mais rigorosas.
Safra Garantida SC reforça a proteção das lavouras
Em Santa Catarina, o programa Safra Garantida entrou em operação no segundo semestre e já soma R$ 845,6 mil em contratos, beneficiando mais de 600 produtores em 148 municípios.
O secretário de Estado da Agricultura e Pecuária, Carlos Chiodini, destaca que o programa é uma resposta direta aos eventos climáticos extremos.
“A nossa expectativa em 2026 é ampliar fortemente o Programa Safra Garantida, alcançando mais produtores. É uma resposta direta a quem trabalha pelo desenvolvimento rural em Santa Catarina”, afirma Chiodini.
O Safra Garantida SC oferece até R$ 1.500,00 por produtor para custear a taxa de adesão ao Proagro Mais, seguro federal que protege agricultores de perdas causadas por eventos climáticos. O benefício atende agricultores enquadrados no Pronaf, com renda bruta anual de até R$ 150 mil e com exploração de culturas alimentares.
O governo do Estado estima investir R$ 84 milhões nos próximos dois anos em subvenção da taxa do adicional do Proagro Mais, para agricultores familiares. A meta é beneficiar mais de 56 mil produtores, cobrir 282 mil hectares e proteger uma safra estimada em R$ 3,4 bilhões.
Os produtores interessados podem procurar os agentes financeiros credenciados para obter orientações e esclarecimentos. A adesão é feita diretamente nas agências ou nas cooperativas de crédito habilitadas.
Quando a lei tenta segurar o leite derramado
O agro termina o ano com a política tentando correr atrás do prejuízo.
No leite, estados avançam, onde a União patina.
No Congresso, o crédito anda, a segurança entra em pauta e o mercado ajusta números.
No campo, o produtor segue fazendo o que sempre fez: produzindo, mesmo com regra mudando no meio do caminho. A diferença é que, agora, a porteira também virou fronteira política.




