Lula e Bolsonaro fazem mal ao Brasil (e eu explico por quê).

Esta coluna teve como fonte de inspiração posts recentes de três colegas de ofício que, por acaso, também são fraternos amigos. O especialista em comunicação digital Marcello Natale publicou aqui no upiara.net seu aguardado ranking dos políticos catarinenses com maior engajamento nas redes, que, por sua vez, inspirou o jornalista e consultor Frutuoso Oliveira a fazer um instigante post sobre o assunto. Como cereja do bolo, pincei uma frase do enfant terrible do marketing político mineiro, Alberto Lage, como fechamento do meu raciocínio.

Os três colegas me deram combustível para escrever sobre algo que me incomoda (como cidadão e como profissional), mas sobre o qual ainda não havia me manifestado. E, é claro, coloco na rua mais um artigo “perigoso” por tentar resumir um tema tão complexo. E que será julgado por muitos apenas pela manchete. Que venham as pedras!

Basicamente, quero falar sobre como a polarização política e a busca por likes e engajamento, derivados desse fenômeno, têm feito mal ao nosso país. E essa lógica se multiplica mundo afora.

Pra começo de conversa, vamos direto ao ponto: Lula e Bolsonaro não são apenas líderes de polos políticos opostos. A “culpa” deles é mais grave, pois ambos são grandes catalisadores da radicalização que tomou conta do Brasil e transformou o debate público em uma guerra binária entre “nós” e “eles”.

Esse fenômeno, que teve seu marco em 2018 com a ascensão de Bolsonaro, mas cujas raízes são anteriores, pavimentou o caminho para uma política que fala mais de si mesma do que dos reais problemas da população.

Tudo isso é sustentado por verdadeiros exércitos digitais, de direita e de esquerda, para os quais o engajamento se tornou o novo voto de confiança. E o inimigo comum, a principal pauta.

Lula versus Bolsonaro não apenas divide o país em duas torcidas organizadas, cada qual com seu grau elevado de irracionalidade, mas também mina a capacidade da política de produzir soluções concretas para sua gente.

Com um efeito colateral ainda pior: desloca o foco do debate público para as redes sociais. Um ambiente em que emoção e conflito geram mais curtidas do que propostas reais.

O resultado é que a política real perde cada vez mais espaço para uma postura em que bravatas valem mais do que a ação.

A coluna do Natale revelou que, em Santa Catarina, os políticos mais engajados nas redes sociais, majoritariamente de direita, têm como principal fonte de conteúdo o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Até aí, nenhuma novidade. Mas o que realmente chamou atenção foi o fato de que os principais nomes da esquerda, como Carla Ayres, Décio Lima e Camasão, entre outros, também constroem boa parte de sua atuação digital em cima de ataques a Bolsonaro e sua família. O clã Bolsonaro e seus agregados viraram pauta fixa.

— E daí, Fred, qual o problema da esquerda antagonizar com os expoentes da direita? Essa pode ser uma dúvida razoável do prezado leitor.

O problema é que não se trata de oposição programática, baseada em ideias ou visão de mundo, mas de pura estratégia digital. Falar de Bolsonaro ou contra ele rende. Assim como falar de Lula ou atacá-lo também rende.

Longe de mim bancar um purista hipócrita, pois eu também lanço mão desse tipo de artifício no meu trabalho, a depender da linha ideológica do cliente. Estratégia digital é boa parte do nosso ofício como consultores.

Mas precisamos ter a consciência de que essa dinâmica cria um ciclo vicioso. É muito mais fácil gerar alcance, curtidas e viralizações do que tentar transformar a realidade daqueles que os elegeram.

Nesse contexto, prefeitos que falam majoritariamente de suas gestões e parlamentares que prestam contas de seu trabalho viram exceção. A regra agora é o embate e a política virou espetáculo.

Essa lógica não é exclusividade catarinense e reflete-se na política nacional. Segundo levantamento da Panorama Mobile Time/Opinion Box, divulgado pela Agência Pública, metade dos 20 deputados federais com maior engajamento no Instagram não foram autores principais de nenhum projeto de lei aprovado entre 2023 e 2025.

Em comum, todos dominam a retórica polarizadora e surfam nas marés do algoritmo. Parlamentares de partidos como PL, Novo e PSD, especialmente os ligados à extrema-direita, lideram as interações. Atuação parlamentar pífia contrastando com alta eficiência digital.

Nada disso é coincidência, há uma lógica perversa por trás. O “debate” nas redes sociais favorece a emoção, a simplificação das ideias e o conflito.

É fácil entender por quê. Enquanto a elaboração de uma proposta de política pública exige técnica, diálogo e paciência, um vídeo debochado ou uma frase de efeito contra o “inimigo” rende alcance imediato. Isso fragiliza a política, pra não dizer infantiliza, e a transforma em guerra de narrativas, deixando a realidade do país em segundo plano.

Em suma: em vez de resolver problemas reais, estamos curtindo debates estéreis nas redes.

O curioso é que, mesmo quando há conquistas concretas, elas não repercutem. Peguemos dois casos do governo Lula: a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e os investimentos bilionários em infraestrutura em todo o país.

Duas ações que deveriam ter visibilidade pública, mas que passaram praticamente despercebidas nas redes sociais, inclusive entre seus próprios apoiadores. E por que isso acontece? Porque atacar Bolsonaro gera mais engajamento. O mesmo vale para os bolsonaristas, que muitas vezes se ocupam mais em deslegitimar Lula do que em defender propostas próprias ou o legado do ex-presidente.

Existe solução para isso? Neste textículo, eu proponho uma reflexão, não uma solução. Lula e Bolsonaro, cada um à sua maneira, continuarão reforçando a lógica do inimigo comum. É mais fácil manter as bases mobilizadas pelo medo e pelo ódio ao outro do que focar na construção coletiva e no enfrentamento real dos desafios do país.

Essa divisão permanente criou a ideia de que a política é apenas um campo de batalha e quem perde com isso é o eleitor.

Os líderes do PT e do PL, com o apoio tácito ou explícito de seus seguidores e estrategistas, ao priorizarem o antagonismo político e digital, continuarão fazendo mal ao país.

Se eu faria diferente? Sinceramente, não sei, provavelmente não. Até porque eu também lanço mão, fartamente, da estratégia do inimigo comum em benefício daqueles para os quais trabalho.

O que eu sei é que o Brasil precisa de soluções e não de mais confrontos. A política virou guerra e quem mais precisa dela continua desassistido. Esse é o dilema que enfrentamos. E o que já está ruim pode piorar. Porque até o eleitor não polarizado também quer respostas fáceis para problemas complexos, como afirmou Alberto Lage em palestra recente. E não é de respostas fáceis que o país precisa.

O que eu sei é que continuaremos enfrentando tempos difíceis pela frente.

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