Meta fecha acesso público à Biblioteca de Anúncios: um retrocesso na transparência digital

Por Amanda Cunha e Marcello Natale

A transparência na publicidade digital sempre foi uma pauta essencial para garantir um ambiente eleitoral justo e o controle do uso de recursos públicos. No entanto, a Meta acaba de dar um passo atrás nessa direção, restringindo o acesso à sua Biblioteca de Anúncios apenas para usuários logados no Facebook. Essa decisão representa um obstáculo significativo para pesquisadores, jornalistas e agentes públicos que fiscalizam a integridade da propaganda paga nas redes sociais.

A Biblioteca de Anúncios da Meta é o repositório de todos os dados sobre propaganda paga no Facebook e Instagram. Qualquer usuário pode impulsionar conteúdo nessas plataformas, incluindo instituições públicas, candidatos e partidos políticos. Como dinheiro público circula por esses espaços, a legislação brasileira exige transparência no acesso a essas informações para permitir a devida fiscalização. Durante os últimos anos, a Justiça Eleitoral impôs regras específicas para o controle de gastos em propaganda digital, garantindo que qualquer cidadão pudesse verificar o respeito aos limites financeiros estabelecidos. Até 2024, o acesso à Biblioteca de Anúncios era totalmente público, sem necessidade de login. Em 2025, porém, sem aviso prévio, a Meta mudou as regras e passou a exigir que os interessados tenham uma conta ativa na rede social para visualizar os anúncios pagos.

Essa exigência transforma um recurso que deveria ser público em um serviço condicionado à inscrição na plataforma. Isso significa que instituições governamentais, jornalistas e fiscalizadores do uso de recursos públicos precisarão ser usuários ativos do Facebook para acessar dados essenciais. A Constituição Federal estabelece a transparência e publicidade como princípios fundamentais na gestão de recursos públicos. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) e a Lei Eleitoral (Lei nº 9.504/97) reforçam essa exigência, prevendo sanções para gestores que dificultem o acesso a informações públicas. A medida da Meta levanta sérias questões sobre a legalidade da restrição imposta. Exigir que agentes públicos criem perfis em uma plataforma privada para exercer seu trabalho de fiscalização pode ser interpretado como uma barreira inconstitucional ao controle social.

Essa mudança se insere em um contexto mais amplo de retração do acesso a dados públicos nas redes sociais. O Twitter, por exemplo, restringiu suas APIs e passou a cobrar pelo acesso a informações que antes eram gratuitas. A Meta também reduziu a visibilidade de dados na sua central de anúncios, enquanto o Google limita cada vez mais os relatórios de segmentação de público. O encerramento do CrowdTangle, ferramenta que permitia monitorar tendências de engajamento e disseminação de conteúdo, foi um prenúncio dessa direção. A tendência é clara: plataformas estão priorizando o controle sobre seus dados e reduzindo a transparência, muitas vezes sob o argumento de proteção da privacidade.

A centralização do controle de dados pelas plataformas não pode ser a única resposta ao desafio da transparência digital. É essencial que governos, instituições acadêmicas e organizações da sociedade civil pressionem por regulações mais robustas que garantam o acesso a dados essenciais para a fiscalização de processos democráticos. Paralelamente, a inteligência artificial amplia tanto as possibilidades de personalização quanto os riscos de reforço de bolhas informacionais, o que exige um debate mais profundo sobre o equilíbrio entre privacidade e transparência.

A decisão da Meta é um alerta sobre os riscos da privatização do acesso à informação pública. Sem ferramentas acessíveis para monitorar o ambiente digital, pesquisadores, jornalistas e cidadãos ficam em desvantagem, comprometendo a capacidade de compreender e equilibrar as forças que norteiam a opinião pública. O futuro da comunicação digital depende de um ecossistema mais transparente e colaborativo. Isso exige compromisso conjunto entre plataformas, governos e sociedade civil para garantir que a informação continue sendo um instrumento de transformação e pertencimento, mesmo diante da crescente polarização digital. Somente assim será possível equilibrar as demandas de um mundo conectado com a preservação dos valores democráticos.

Empresas que atuam no cenário nacional brasileiro, e aceitam que recursos públicos circulem por suas plataformas e paguem pelos seus serviços, precisam se adequar às regras. 


Por ora, não há informação oficial da plataforma sobre o porquê da mudança, tampouco ainda posicionamento (e talvez até conhecimento) da Justiça e do Governo brasileiro acerca disso.

Amanda G da Cunha é Comunicadora digital em @amandacunhacomunica. Host do podcast A Eleitoralista no spotify. Especialista em Direito Eleitoral e Mestranda em Direitos Humanos pela UFG. Coordenadora de Comunicação da ABRADEP. Autora de obras jurídicas, com destaque para o livro “Direito Eleitoral Sancionador”.

Contato: amandagdacunha@gmail.com 

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