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8 de setembro de 2024

Morre Paulo Konder Bornhausen, um narrador da política catarinense

Livros de Paulo Konder Bornhausen, o PKB

Morreu nesta sexta-feira em Florianópolis, aos 94 anos, um dos personagens mais intrigantes da história política de Santa Catarina. Paulo Konder Bornhausen, o PKB, além de um grande contador de histórias, era também um dos maiores exemplos de como uma mudança no contexto nacional pode alterar profundamente o rumo de uma carreira política estadual.

O ponto alto de sua trajetória político-eleitoral foi como presidente da Assembleia Legislativa em 1956, no único mandato que exerceu como deputado estadual, pela antiga UDN. Naquele ano foi criado o cargo de vice-governador, até então inexistente, com a eleição avulsa de Heriberto Hülse (UDN).

O vencedor seria o primeiro vice-governador eleito do Estado de Santa Catarina. Até então, e enquanto o impasse não se resolvesse, substituía o governador, nos seus impedimentos, o presidente da Assembleia Legislativa, cargo por mim exercido – explicou o próprio PKB um de seus livros de memórias.

Até a posse do pioneiro vice, PKB substituiu o governador, o pai Irineu Bornhausen, em algumas oportunidades, como condição constitucional do cargo. Mas não foi, formalmente, vice-governador.

Até porque ele queria mais.

A ambição de PKB era seguir o passos do pai e do tio, Adolpho Konder, e ser ele o sucessor político do clã Konder Bornhausen. Estava tudo no horizonte, envolvendo inclusive uma candidatura malsucedida à prefeito de Joinville em 1956. Quem viveu em Santa Catarina no final dos anos 1970, vai lembrar de ter visto nas costas das placas de sinalização de trânsito pelas estradas do Estado a incrição PKB70 – feitas por militantes udenistas espalhados por Santa Catarina.

A história mudou o rumo de PKB, mesmo que ele mesmo fosse um defensor dessa mudança de rumo da história.

O regime militar implantado em 1964, com o golpe de Estado que derrubou o presidente João Goulart (antigo PTB), extinguiu os partidos políticos existentes e mudou todo o panorama político de Santa Catarina.

Os militares não viam com bons olhos a acirrada rivalidade de clãs em Santa Catarina, os Konder Bornhausen na UDN e os Ramos no PSD. Essa disputa, que contei com mais detalhes na série de reportagens Victor e Ruth, no Diário Catarinense, deu ao Estado, até aquele momento, sete governadores (Vidal Ramos, Aristiliano Ramos, Nereu Ramos, Aderbal Ramos da Silva e Celso Ramos, pelo PSD, e os citados Adolpho e Irineu, da UDN).

PKB tinha o temperamento sanguíneo e disposição para o confronto que era, possivelmente, o estilo certo para enfrentar uma polarização que dividia o Estado e inflamava militâncias. O leitor vai conseguir imaginar o clima, porque polarização e militâncias inflamadas nos rodeiam também neste momento. Pois era PKB o nome para enfrentar os pessedistas no contexto daquela polarização.

A eleição de 1965, já no regime militar, mas ainda com UDN e PSD em atividade, foi uma disputa voto a voto entre o eleito Ivo Silveira (PSD) e o adversário Antônio Carlos Konder Reis (UDN), primo de PKB. Mal foram contados os votos, menos de um mês depois, o Ato Institucional Número 2, extinguiu os partidos políticos.

Paulo continuou os movimentos para ser o primeiro arenista na disputa pelo governo – o que envolvia uma disputa interna com o prefeito de Joinville, Nilson Bender – que gostava de mandar bilhetes ao temido Serviço Nacional de Informações sobre o colega de partido.

O que não ajudava nada o humor dos militares com as chamadas oligarquias catarinenses.

Foi nesse caldo que os líderes dos clãs, Celso Ramos e Irineu Bornhausen, costuraram um acordo para ambos os grupos integrarem a Aliança Nacional Renovadora (Arena), o partido que daria sustentação formal ao regime militar naquele contexto de ritos democráticos consentidos. Aos adversários institucionais do regime, caberia o Movimento Democrático Brasileiro, o MDB que está aí até hoje.

Sem confronto, dentro do mesmo partido, o estilo de PKB deixou de ser a melhor maneira de manter a linhagem no poder. Com a cassação do vice-governador Francisco Dall’igna (PTB), seu irmão Jorge Konder Bornhausen foi eleito indiretamente pela Assembleia Legislativa para o cargo e selou essa inusitada aliança entre as lideranças do PSD e UDN, agora Arena em Santa Catarina.

Em 1966, o Ato Institucional Número 3 acabaria com as eleições diretas para governador do Estado. Em 1970, a Alesc faria a escolha que o regime militar queria – o engenheiro Colombo Salles, um tecnocrata, como diziam à época (hoje dizem “técnicos”, perdemos vocabulário no período).

Após essa experiência, os velhos udenistas conseguiriam eleger indiretamente Antonio Carlos Konder Reis e Jorge Bornhausen como governadores de Santa Catarina. Era o momento de um perfil menos sanguíneo, de mais fácil composição política.

Se houvesse ganho as eleições (Joinville), teria mudado o curso da história de Santa Catarina e disso tenho certeza absoluta. O que se repetiria se não tivesse havido a mudança das regras eleições em 1970 – disse o próprio Paulo Konder Bornhausen em outro de seus livros de memórias.

Aliás, muito do que contei aqui, aprendi nos próprios livros que PKB escreveu: Retrato Político de uma Época, volumes um e dois, e Pesquisas e Arquivos Políticos do PKB. Paulo Konder Bornhausen nunca mais disputou o poder, mas continuou no jogo a seu modo: contando sua versão da história política de Santa Catarina.

Conversamos uma única vez, quando eu estava apurando o que motivou o fim do noivado de seu tio Victor Konder com Ruth Ramos, irmã de Nereu Ramos, em 1920 – apontado por muitos como o estopim da rivalidade entre as famílias. Ele não deu muita conversa.

Tudo que eu tinha a dizer está nos meus livros – me disse PKB.

Ao que me resta responder, nesta sexta-feira perdida em 2024, lembrando de cabeça algumas histórias de uma política catarinense que não vivi pessoalmente, mas que me fascina desde sempre, obrigado por ter feito isso, PKB.

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