A palavra gratidão e todas suas nuances marcaram o ato realizado na prefeitura de Criciúma para desincompatibilização dos secretários Arleu da Silveira (PSD, Governo) e Acélio Casagrande (PSDB, Saúde) da gestão do prefeito Clésio Salvaro (PSD). A dupla almeja suceder o prefeito pessedista e o evento acabou servindo para que Salvaro não apenas deixasse clara sua preferência por Arleu, mas também para marcar seu incômodo com os movimentos políticos recentes de Acélio.
Alinhado policamente ao ex-governador Eduardo Pinho Moreira (MDB) na maior parte de sua trajetória política, Acélio foi secretário municipal e estadual de Saúde, concorreu a prefeito em 2008 (na primeira vitória de Salvaro para o cargo) e chegou a assumir como deputado federal. A parceria com Salvaro começou em 2019, surprendendo muitos.
À frente da Saúde na pandemia do coronavírus, Acélio se revigorou politicamente com o apoio do prefeito na disputa por uma vaga de deputado estadual em 2022 – ficou na primeira suplência do PSDB, mas foi o mais votado em Criciúma.
Preterido por Salvaro, era o preferido para concorrer a vice na chapa de Arleu – fechando a aliança entre o atual e o antigo partido do prefeito. Nas últimas semanas, no entanto, movimentou-se como candidato, buscou apoio no PSDB estadual, fez suspense sobre possível mudança de partido e ouviu convite público do governador Jorginho Mello (PL) para se filiar ao PL e ser candidato a vice-prefeito na chapa de Ricardo Guidi (PL).
Sem esse contexto todo, leitor, fica muito mais difícil se deliciar com os discursos de um ato político marcado mais pelas entrelinhas e indiretas do que pelo que foi efetivamente dito. Como eu disse no começo do texto, gratidão esteve em todos os discursos.
Acélio Casagrandre por exemplo, falou da gratidão a Salvaro. Mas sem deixar de falar que sua trajetória começou antes de 2019. Citou ações como secretário municipal nas gestões emedebistas de Eduardo Moreira e Paulo Meller, além de lembrar a passagem como secretário estadual na gestão do ex-governador Raimundo Colombo.
Eu tenho, sim, muita gratidão ao prefeito Salvaro, ao vice-prefeito Ricardo, por terem me dado esta oportunidade de cinco anos. Eu vou continuar sendo grato, sempre, a eles por terem me dado essa oportunidade, assim como Eduardo Moreira, Paulo Meller, Raimundo Colombo – disse Acélio.
Festejado em díversos vídeos enviados por lideranças políticas e amigos, sempre com a marca “Acelera, Arleu” – trocadilho com o programa de obras “Acelera, Criciúma” -, Arleu da Silveira também destacou a gratidão e a lealdade em seu discurso. Ressaltou a relação com Salvaro como amigo de décadas, além de líder político.
A vida é feita de amigos, a vida é feita de gratidão, a vida é feita de lealdade e respeito. Por isso, prefeito Salvaro, você é um dos meus amigos, aquele amigo que está na hora ruim. Nós passamos horas ruins, nós passamos por momentos difíceis e ficamos juntos – ressaltou Arleu.
A esperada fala de Clésio Salvaro veio em tons de memória de infância sobre religiosidade. Aparentemente, mas só aparentemente, sem relação o ato da tarde de ontem. Católico, Salvaro lembrou que na primeira comunhão sua mãe lhe disse que se mordesse a hóstia a língua sangraria. E que se não sangrasse, ele iria para o inferno. Todos acharam graça. Aí, ele lembrou do pai, que dizia, segundo ele, que “uma das palavras mais sagradas do homem é a gratidão”.
Aí veio o primeiro recado de Clésio a Acélio:
Quando a gente morde esta palavra, quando a gente desrespeita essa palavra, a gente não vai para o céu. E também não vai para o inferno. A gente vai viver o inferno aqui – comparou Salvaro, com muita ênfase no “aqui”.
Salvaro continuou falando da palavra gratidão, “que ouvi tanto hoje”, ao citar o deputado estadual Júlio Garcia e os deputados federais de Criciúma (Geovânia de Sá, Daniel Freitas, Júlia Zanatta e Ricardo Guidi) como parceiros em busca de recursos. Ao falar de Júlio Garcia, mais um recado.
Obrigado, Júlio, porque tu não só fala de gratidão, mas vive essa palavra todos os dias. De gratidão só pode falar quem vive ela, quem pratica ela. Aí, sim, pode buscar o termo – disse Salvaro.
Nas palavras do discurso de Salvaro explicitamente ditas a Acélio também há recados implícitos. Chamou o tucano de “nosso eterno secretário” e disse esperar que ele “continue frequentando a minha casa, a casa do meu pai, tomando aquele cafezinha na tia Bimba”. Reproduzo o trecho com mais indiretas que diretas onde aparentemente o prefeito fala da disputa interna entre Acélio e Arleu.
Espero você que viva verdadeiramente esta palavra sagrada tão bem usada chamada gratidão, para que merecemos sempre aqui na terra, não o que há de melhor… porque o homem, ele pode ter mais, muitas vezes, mas ele vale menos. O fato de você ter mais não significa que você vale mais. A vida é assim, cheia de altos e baixos. E sempre aparecerão aqueles aqueles oportunistas para tentar tirar de ti o melhor. Mas no momento mais difícil, onde eles estavam, o que faziam? O Arleu sabe exatamente do que estou falando – disse Salvaro.
Em meio aos agradecimentos pelo trabalho, teve espaço até para uma pequena farpa sobre a possibilidade de Acélio assumir a Secretaria Estadual da Saúde no governo Jorginho quando Carmen Zanotto (Cidadania) deixar a pasta para disputar a prefeitura de Lages.
Eu sou muito grato, Acélio, pelo que fizeste e espero que continue fazendo pela saúde de Santa Catarina e espero que continua fazendo pela saúde do nosso município – Salvaro, que sabe muito bem que para bom entendedor, meia palavra basta.
Ao enaltecer Arleu, Salvaro foi até 2017, quando assumiu a prefeitura após quadro anos de gestão do ex-aliado Márcio Búrigo (PP). Na época, ainda vivendo os efeitos dos incêndios que aconteceram no paço municipal em 2015. Usou esse como mais um exemplo da lealdade de Arleu, de como estiveram juntos nos melhores e piores momentos, que o aliado “sabe como nenhum outro”. Garantiu que ele continuará frequentando sua casa e tomando o cafezinho da tia Bimba, sem condicionantes.
Criciúma está no caminho certo e aquele que vier depois de mim, eu não tenho a menor dúvida, vai ter condições de fazer mais do que eu. Porque quando assumimos a prefeito, não tinha prefeitura. Isso aqui eram toneladas e toneladas de cinzas. As contas todas negativas e um saldo devedor de quase R$ 175 milhões. Era preciso ter alguém como secretário-geral que encarasse os desafios, que fosse o escudo, que não deixasse a rejeição vir até o prefeito e que dissesse não. Arleu da Silveira fez este papel. Eu sou muito grato. Eu vou estar contigo em todos os momentos. Aqui tem palavra, aqui sabe dizer o que é gratidão – discursou Salvaro.
O evento de sexta-feira, com suas linhas e entrelinhas, deixa claro: Criciúma deve viver uma de suas mais acirradas disputas da história.
Foto: Clésio Salvaro e Arleu da Silveira apertam as mãos na despedida do secretário para concorrer a prefeito.
Crédito: Prefeitura de Criciúma, Divulgação.