Na sociedade do espetáculo, onde fica o interesse público? Por Adriano Tavares da Silva

Adriano Tavares da Silva escreve artigo em que discute o uso ético e legal das redes sociais por políticos, ressaltando a necessidade de manter a comunicação oficial separada da promoção pessoal para preservar a impessoalidade e a confiança pública nas instituições.

Navegar nas redes sociais é encontrar um sem-número de boas notícias. Sob o prisma delas, parece-se estar diante do cume da evolução humana: apenas boas notícias são postas ao público por seus incansáveis usuários.

Há incentivo para isso. Como a epígrafe de Sófocles acima aponta, ninguém gosta do portador de más notícias. Com os governantes não poderia ser diferente. Quer-se, a todo custo, vincular-se aos grandes feitos, às grandes obras, principalmente quando isso acarreta dividendos eleitorais.

Esse cenário, contudo, requer cuidados.

A História dá inumeráveis exemplos de civilizações que, não obstante seus avanços técnicos, conviveram com deformidades a nível social hoje inaceitáveis [1].

Assim, o avanço técnico – representado, por exemplo, pelo uso onipresente das redes sociais – não é antídoto inapelável para abusos na ordem social; para, em outras palavras, o surgimento de uma nova “idade das trevas” [2].

Nesse sentido, é notório que a comunicação política evoluiu dramaticamente nas últimas décadas, principalmente com a ascensão das redes sociais. Estas plataformas oferecem um meio poderoso para os políticos se conectarem diretamente com os eleitores, contornando os canais tradicionais de comunicação e potencializando sua mensagem. No entanto, essa prática tem levantado questões éticas e legais importantes, especialmente quando envolve o uso das estruturas de comunicação públicas.

A Constituição Federal de 1988 estabelece princípios fundamentais para a administração pública no Brasil, incluindo a legalidade, moralidade, publicidade, eficiência e impessoalidade. Estes princípios visam garantir que as ações dos administradores públicos sejam transparentes, éticas e no melhor interesse da sociedade. Contudo, a crescente tendência de políticos utilizarem recursos públicos para promover suas presenças pessoais nas redes sociais podem violar esses princípios, particularmente o da impessoalidade.

Isto porque essas novas ferramentas geram a capacidade de falar diretamente com o público, sem a mediação da imprensa, representando, assim, uma mudança significativa na dinâmica política. Não obstante, essa prática deve ser equilibrada com a responsabilidade ética de manter a comunicação oficial separada da promoção pessoal.

Esse cenário traz novos dilemas para a ciência jurídica, na medida em que se deve compartilhar a liberdade de expressão dos agentes políticos em suas redes sociais com a impessoalidade preconizada pelo ordenamento jurídico.

Em São Paulo, por exemplo, João Dória, ex-prefeito da cidade, chegou a ser condenado em primeiro grau pelo uso do slogan “São Paulo Cidade Linda” em redes sociais e meios de comunicação da Prefeitura, o que, conforme entendimento do Juízo, caracterizou ato de improbidade administrativa. [3]

No Tribunal de Contas da Bahia, de maneira semelhante, restou decidido que publicações conjuntas (“collabs”) entre o perfil pessoal do prefeito e o da prefeitura violam o princípio da impessoalidade previsto no artigo 37 da Constituição, na medida em que, segundo esta disposição, as publicações devem ter caráter informativo e educativo sem nenhuma vinculação pessoal às obras [4].

Além das questões jurisprudenciais, há também aspectos legais. Diversos decretos e leis, tanto em âmbito federal quanto municipal, enfatizam a proibição do uso de recursos públicos para promoção pessoal. A Lei Complementar nº 736/23 de Florianópolis, por exemplo, estabelece claramente que a comunicação oficial deve ser gerida pela Secretaria Executiva de Comunicação Social e não pelo prefeito diretamente.

Tudo isso, em última análise, decorre do papel central que o espetáculo ocupa na sociedade moderna, na qual ele “concentra todo o olhar e toda a consciência” [5]. Ao concentrar toda a consciência, ele se torna uma fonte infindável de dividendos eleitorais. Aí está o incentivo de que falamos.

O resultado imediato disso, em termos gerais, é a necessidade de vigilância quanto à propaganda generalizada, uma prática reportada desde a década de 60 [6]. Especificamente, o uso crescente de perfis pessoais de agentes políticos para a autopromoção, considerado por muitos um ato de populismo [7], deve servir como um alerta. Os agentes públicos precisam estar atentos para não caírem na armadilha de gerir suas redes sociais de forma populista, ainda que de maneira inconsciente. A observância rigorosa da ética e da impessoalidade é fundamental para preservar a confiança pública nas instituições e assegurar a integridade da administração pública.

A violação do princípio da impessoalidade através de publicações que tentam vincular a imagem do agente político ao ente da administração pública, como aconteceu na cidade de Anchieta-ES [8], não é somente pode parecer uma violação legal, mas também uma espécie de fomento à uma quebra de confiança do público nas instituições e nos próprios políticos.

Quando a comunicação oficial é usada para promover perfis pessoais, cria-se uma percepção de que os recursos públicos estão sendo direcionados para fins particulares, em vez de servir ao interesse coletivo. Esta prática pode enfraquecer a integridade das instituições e minar a credibilidade dos administradores públicos.

É inegável que a presença nas redes sociais é essencial para os políticos contemporâneos. As redes sociais oferecem uma plataforma vital para informar, engajar e responder aos eleitores. No entanto, é crucial que essa presença seja mantida dentro dos limites da ética e da legalidade. A utilização de recursos públicos deve ser estritamente direcionada para a comunicação oficial e institucional, assegurando que a impessoalidade seja preservada.

Em última análise, os agentes políticos devem lembrar que, embora possam ocupar temporariamente cargos públicos, as instituições que servem são permanentes e essenciais para a democracia. A comunicação pública deve refletir esse entendimento, mantendo um foco claro no interesse coletivo e respeitando os princípios fundamentais da administração pública.

No mundo hiperconectado de hoje, qualquer um pode se tornar uma figura influente nas redes sociais, mas os agentes políticos têm uma responsabilidade adicional. Eles devem equilibrar o uso dessas plataformas com a preservação dos princípios éticos e legais que sustentam a administração pública, garantindo que a comunicação oficial permaneça imparcial e focada no bem público.



Adriano Tavares da Silva é advogado, sócio fundador do escritório Tavares & Advogados Associados, sediado em Florianópolis

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