Nos últimos dias, prefeitos e comunicadores foram tomados pela ideia de que o STJ teria proibido mandatários de divulgar, em suas redes pessoais, atos de gestão. Manchetes apressadas espalharam a noção de que o espaço digital privado estaria interditado para a política institucional. Mas a realidade é mais complexa e bem diferente da caricatura que circulou.
Não existe decisão que impeça um prefeito de prestar contas em seu perfil pessoal. O que existe, e aqui está o ponto fundamental, é a vedação ao uso de recursos públicos para financiar ou produzir esse tipo de conteúdo em benefício privado. O julgamento recente que deu origem à confusão dizia respeito a um processo de improbidade contra João Doria e tratava da aplicação da nova lei de improbidade. O mérito não era a suposta proibição de prefeitos nas redes, mas a análise sobre uso de verba pública.
A especialista em direito eleitoral Amanda Cunha resume de forma clara: “Não existe proibição para um político divulgar atos de sua gestão em perfil pessoal das redes sociais. O que é proibido é fazê-lo com dinheiro público ou se valendo da estrutura oficial contratada para o órgão público.”
Na mesma linha, a advogada e juíza substituta do TRE-SC, Luiza Portella, reforça: “Atualmente não existe decisão do STJ que proíba, expressamente, que qualquer mandatária ou mandatário postem em suas redes sociais privadas sobre os seus feitos. A vedação é o uso de recursos públicos para a produção do conteúdo.”
Essas duas observações recolocam o debate no seu devido lugar. O problema não é publicar, mas como é produzido e como é custeado. A linha que separa a prestação de contas legítima da autopromoção financiada com dinheiro público é tênue e exige cuidado. É aí que mora a complexidade: distinguir entre comunicação institucional e comunicação pessoal num tempo em que muitos ignoram estes limites.
A repercussão dessa “proibição” fictícia expõe, sobretudo, nossa dificuldade em lidar com as novas fronteiras da comunicação política. Quem olha de fora vê apenas posts. Quem olha de dentro precisa discernir se há verba pública, se há agência contratada pelo órgão produzindo conteúdo para perfis pessoais, se há recursos da máquina convertidos em benefício privado. Essa é a discussão real, e é nela que mora o risco de improbidade.
O que está em jogo não é o direito do prefeito de postar em sua rede pessoal. É a obrigação de não confundir o que pertence ao público com o que pertence ao privado. A prestação de contas é saudável, necessária, parte da democracia. Mas se travestir de prestação de contas para usar dinheiro público em benefício pessoal está fora das regras do jogo.
No fim, a polêmica mais revela sobre nós do que sobre os tribunais. Ainda tropeçamos em entender que as redes não são território proibido para a política, mas sim terreno de responsabilidade redobrada. Porque, nesse espaço onde o pessoal e o institucional se confundem, a linha que separa transparência de vantagem indevida não pode ser ultrapassada.