O agro brasileiro começa a semana entre contrastes dignos de novela

Supersafra histórica de grãos no horizonte, exportações em alta e uma agenda internacional movimentada.

Mas, enquanto soja, milho e trigo surfam boas ondas, o arroz vive seu pior enredo em anos – com indústrias operando no vermelho, produtores descapitalizados e estoques encalhados.

E, como se o drama não fosse suficiente, no Supremo a novela interminável sobre benefícios fiscais de defensivos segue sem desfecho – suspense garantido.

No lado político, o Brasil aguarda os Estados Unidos formalizarem uma resposta ao tarifaço que afetou setores sensíveis da pauta exportadora, enquanto a diplomacia catarinense faz o trabalho prático: acordos, agenda comercial e presença forte onde interessa na Argentina, terceiro maior destino das exportações do estado.

No Congresso e no Executivo, um marco esperado há quase quatro anos finalmente saiu do papel: o autocontrole agropecuário foi regulamentado. O setor chama de modernização. Os críticos, de transferência de responsabilidade. Brasília, como sempre, chama de “equilíbrio institucional”. Semana com roteiro cheio. Vamos aos capítulos.

Crise do Arroz, emergência que ninguém mais consegue ignorar: Medidas paliativas, impacto estrutural

A compra de 137 mil toneladas anunciada pela Conab parece mais um analgésico do que tratamento. Para as indústrias de Santa Catarina — responsáveis por 10% do abastecimento nacional e 50 mil empregos diretos, o efeito é mínimo.

“Estamos nos preparando para férias coletivas. A medida não resolve”, afirmou Walmir Rampinelli, presidente do Sindicato das Indústrias de Arroz de Santa Catarina (SindArroz-SC).

Preço abaixo do custo e descapitalização

O setor opera no limite: saca chegando a R$ 55, enquanto o custo médio fica entre R$ 75 e R$ 90, dependendo da região. Produtor vende abaixo do custo, indústria reduz operação e o mercado interno segue saturado.

Exportar para respirar

O setor aponta o caminho: PEP, Pepro e incentivos à exportação – não compras governamentais.
Para uma virada real, seria necessário escoar mais de 1 milhão de toneladas ao mercado internacional.
“Comprar 100 mil toneladas não muda o estoque de passagem”, reforça Vanir Zanatta, presidente da Organização das Cooperativas do
Estado de Santa Catarina – OCESC.

O paradoxo brasileiro: exportador e importador

Somos o segundo maior exportador fora da Ásia, mas seguimos importando arroz, principalmente de Argentina, Uruguai e Paraguai. Exportamos para Cuba, Senegal, Gâmbia e Peru, segundo a Conab e a tendência é subir 31% este ano.

Quando o mercado só funciona no prato A indústria tenta reacender o consumo com campanhas como “Arroz Combina” e nova estratégia internacional com apoio da ApexBrasil. Enquanto isso, áreas plantadas no Rio Grande do Sul caem até 10%. O que deveria ser política agrícola virou estratégia de sobrevivência.

Autocontrole regulamentado — depois de quase quatro anos

Vitória política articulada pela FPA

A publicação da Portaria 861/2025 finaliza um dos processos mais longos da modernização da defesa agropecuária. Foi a Frente Parlamentar da Agropecuária que conduziu o texto desde o início, com relatorias dos deputados Domingos Sávio (PL-MG) e Pedro Lupion (Republicanos -PR), e do senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS).

O discurso: modernização e alinhamento internacional

O argumento central é pragmático: o Estado não dá conta sozinho do volume e da estrutura.

Lupion resumiu:

“O agro cresceu e o Estado não acompanhou. Hoje damos um passo histórico para fortalecer quem produz e quem fiscaliza.”

O que muda na prática

  • Mais agilidade nos frigoríficos.
  • Rastreabilidade reforçada.
  • Auditor fiscal federal segue como autoridade máxima.
  • Fiscalização ganha braço técnico, sem perder poder de polícia.

Bioinsumos on farm garantidos Com a derrubada dos vetos, a produção de insumos para uso próprio segue liberada: marco importante para competitividade.

Tarifaço americano — Brasil aguarda a reação

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que a resposta norte-americana deve sair nos próximos dias e o governo espera um acordo provisório ainda em novembro.
Exportações de café para os EUA caíram 51,5% desde a tarifa adicional.
O Brasil aguarda reciprocidade, os EUA aguardam conveniência -diplomacia real.

Enquanto isso, Santa Catarina faz negócios

Enquanto Brasília negocia na diplomacia lenta, Santa Catarina optou pelo método prático: estar onde os compradores estão. Na Argentina, a missão liderada pelo governador Jorginho Mello e pela Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC) teve agenda intensa: reuniões com empresários, bancos, indústria e governo. O encontro Santa Catarina Day reuniu 150 empresários – sinal claro de interesse bilateral. Exportações catarinenses para a Argentina cresceram 25,2% este ano — com perspectiva de seguir subindo.

STF — mais um capítulo sem final

O julgamento sobre benefícios fiscais para defensivos (ADI 7755) foi novamente paralisado – agora após votos divergentes de Edson Fachin e André Mendonça.
Não há previsão de retomada.
Enquanto políticos discutem modelos tributários, agricultores tentam sobreviver com margens cada vez mais estreitas.

Estratégia é sobrevivência

A semana começa revelando o contraste do agro brasileiro: somos potência em grãos, mas incapazes de equilibrar o mercado de um alimento base do prato do brasileiro.
Regulamentamos o autocontrole, ampliamos relações internacionais e buscamos novas rotas comerciais, mas seguimos tropeçando em gargalos logísticos, fiscais e de planejamento.

Enquanto STF debate teoria e os EUA calculam ganhos, Santa Catarina planta realidade: agenda, negociação e entrega.

Em tempos de incerteza, a estratégia deixa de ser discurso e vira sobrevivência.

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