Entre o palco iluminado de Goiânia e o silêncio do campo, o agro tenta comunicar — e sobreviver.

Da IA ao endividamento: o agro em dois mundos
O AgroMKT Summit terminou com aplausos, cases premiados e discursos sobre o futuro digital do agro.
Mas o campo real ainda fala em outra frequência — a do boleto e do medo.
A comunicação evolui, mas o crédito não!
O agro virou case de sucesso no PowerPoint, enquanto o produtor tenta renegociar no banco.
É o agro de dois mundos: um que fala bonito, outro que vive cansado.
Um que aposta na IA, outro que busca apoio psicológico.
Encerramento com microfone aberto
A terceira edição do AgroMKT Summit terminou ontem (16) em Goiânia, consagrando a cidade como capital latino-americana do agromarketing.
Durante dois dias, os maiores nomes da comunicação rural debateram o poder da imagem, o papel da inteligência artificial e a urgência da profissionalização na narrativa do agro.
Foi um espetáculo de ideias, cases e tecnologia — o retrato de um setor que aprendeu a se posicionar e que começa a dominar o palco da comunicação.
Mas, enquanto os painéis discutiam como o agro deve falar melhor com o mundo, o produtor rural ainda luta pra ser ouvido dentro de casa.
O crédito não chega, o seguro não sai, o endividamento aumenta — e o campo, de tão calado, começou a pedir ajuda até pra psicólogo.
Crédito emperrado, produtor no sufoco
O crédito rural, que já andava devagar, atolou de vez.
A queda nos desembolsos do Plano Safra 25/26 chegou a 12%, com retração de 48% entre grandes produtores e 30% entre médios.
O governo anunciou R$ 12 bilhões pra renegociação de dívidas, mas o dinheiro ainda não chegou — o sistema do BNDES não roda, o Mapa errou e o produtor segue esperando. A portaria que estendia o benefício a mais 56 municípios gaúchos foi publicada sem o anexo com a lista das cidades e, por isso, ninguém consegue acessar o programa.
Até o seguro rural, que deveria aliviar o risco, está travado: R$ 354 milhões bloqueados e apólices ameaçadas de corte.
E o pior: o custo de produção disparou.
Com fertilizantes 30% mais caros e margens no limite, a safra virou luta de sobrevivência.
O Brasil importou 7% mais adubo este ano, e a dependência externa é tamanha que o agricultor, antes referência de força, agora pede paciência — e fôlego.
O campo em terapia
No Rio Grande do Sul, onde a estiagem e as enchentes deixaram R$ 27,4 bilhões em dívidas, o peso psicológico da crise virou assunto de saúde pública.
O Movimento SOS Agro criou o projeto “SOS Coragem Rural”, que oferece atendimento psicológico gratuito a produtores em colapso emocional.
São 16 psicólogos voluntários, de seis estados — entre eles, Santa Catarina — atendendo agricultores e famílias que simplesmente chegaram ao limite.
“Os produtores estão no limite. Muitos dizem que não querem mais continuar na atividade”, conta Grazi Camargo, coordenadora do projeto.
A psicóloga Luciane Thiesen Scheffel, que atua como voluntária, foi direta:
“Muitos sentem vergonha de procurar ajuda, porque acham que precisam ser fortes o tempo todo. Nosso papel é mostrar que pedir ajuda é um ato de coragem.”
Enquanto isso, em Brasília, o crédito é pauta de comitê.
No Sul, é pauta de terapia.
Dumping, descaso e desânimo
Nem a CNA conseguiu mediar a crise do leite importado.
O governo decidiu não aplicar medidas antidumping contra o leite em pó vindo dos países do Mercosul, mesmo com evidências de preço abaixo do custo interno.
O deputado Rafael Pezenti (MDB-SC) reagiu com contundência:
“Eu vou ser o cara que vai abrir o registro do caminhão de leite que vai ser esvaziado na frente do Palácio do Planalto, porque o mundo tem que ver como esse governo trata o produtor de leite. Até os produtores pacíficos estão perdendo a paciência. Até agora tentei apaziguar a situação, mas chega uma hora que a gente explode, porque a gente tentar sensibilizar o governo a salvar mais de um milhão de produtores de leite e nada acontece. Esse governo que fala tanto em soberania está defendendo países que praticam dumping contra o Brasil”.
É mais uma derrota política disfarçada de diplomacia comercial.
Enquanto o produtor brasileiro luta pra pagar os juros, importar leite barato virou sinônimo de “competitividade”.
O agro comunica, o governo desconversa.
Entre o discurso e o desabafo
O agro aprendeu a comunicar, mas o Brasil ainda não aprendeu a escutar.
Enquanto o palco de Goiânia aplaudia o futuro, o campo gaúcho pedia socorro.
A diferença é que um tem microfone — o outro, só silêncio.
O desafio agora é fazer com que a comunicação do agro desça do palco e chegue à porteira, com empatia, propósito e políticas que funcionem.
Porque de nada adianta falar bonito, se quem produz não consegue dormir em paz.