Artigo de Alisson Magalhães, pastor, estrategista e especialista em Marketing Político

A jornada de “contra tudo que está aí” para “meu filho que está aí”
Em política, há erros que custam votos, e há os que custam territórios. A decisão de Jair Bolsonaro de lançar o filho, Carlos Bolsonaro, ao Senado por Santa Catarina, está, cada vez mais, se encaixando na segunda categoria. Num arroubo típico de Bolsonaro, está cada vez mais evidente que foi um movimento que nasceu da emoção e, senão morrer na praia, pode custar caro demais.
O gesto até faz sentido num plano afetivo. Bolsonaro busca preservar o legado, proteger o clã, garantir sobrevida institucional a um nome que virou símbolo de uma era política. Mas o problema – que Bolsonaro não calculou na “estratégia” – é que Santa Catarina não é terreno neutro. É solo firme, identitário, orgulhoso. E aqui, até os mitos precisam pedir licença pra entrar.
Santa Catarina é, há décadas, o Estado mais coerente ideologicamente do país. Conservador por cultura, liberal por vocação e pragmático por sobrevivência, sua direita não nasceu com o bolsonarismo. O bolsonarismo é que foi sustentado por ela. Enquanto outros estados balançavam conforme o vento eleitoral, o catarinense manteve firme o norte. Não vota por idolatria, vota por afinidade. Não se guia por slogans, mas por coerência. E quando sente que alguém de fora tenta “colonizar” seu voto, a reação é quase instintiva: resistência.
Por isso, a indicação de Carlos Bolsonaro soa como um erro de leitura do território, um equívoco estratégico de proporções épicas. Não porque o nome “Bolsonaro” não tenha peso. Tem, e muito. Mas, diga-se de passagem, sem Jair ou Michelle na frente, nenhum outro tem o tamanho ou a força que acham que tem. O catarinense é leal, mas não é súdito. O que os ventos parecem apontar é que, em Santa Catarina, o pertencimento vale mais do que o sobrenome, e a política local tem um código não escrito: o respeito às lideranças da própria terra.
O erro de Bolsonaro: Esse código foi violado, e o efeito foi imediato. A exclusão de Caroline de Toni, nome consolidado e com trajetória local legítima, acendeu um alerta na base que nem a manifestação da própria deputada, numa manobra desastrada para defender a indicação de Carlos, resolveu. Por último, a manifestação pública de Ana Campagnolo, um dos rostos mais simbólicos da direita catarinense, expôs o desconforto generalizado. Não é rebeldia. É senso de identidade. É o instinto de um estado que, mesmo majoritariamente alinhado à direita, e que sustentou o bolsonarismo, não aceita ser tratado como extensão familiar de um projeto de poder.
Em política, as rachaduras raramente começam com ideologia. Começam com vaidade mal dosada e com leitura errada de contexto. Bolsonaro sempre foi um líder intuitivo, e é exatamente essa intuição que o fez gigante. Porém, toda intuição, quando isolada da análise fria, pode transformar o instinto em armadilha. A força que o ergueu pode ser a mesma que o empurra, agora, para um erro tático que pode lhe custar muito mais que votos: pode custar território.
Ao insistir nessa candidatura, Bolsonaro está mexendo no que há de mais profundo no DNA político catarinense: a rejeição a qualquer tentativa de “tutela” vinda de fora. O catarinense não nega o mito, mas defende o próprio chão. E essa é uma diferença que quem observa de Brasília tende a subestimar. O principal problema é que esse movimento não está mais restrito à classe política. Já está no eleitorado, e as últimas pesquisas confirmam apontando a maior rejeição ao nome de Carlos Bolsonaro. Além disso, o desempenho pífio de Seif aparece como um fantasma que lembra ao eleitor catarinense que já deu uma chance à um indicado de Bolsonaro e tem motivos de sobre para não cometer o mesmo erro.
Em Santa Catarina, política é pertencimento, e pertencimento não se terceiriza. É construído com presença, com história, com raízes. Carlos Bolsonaro pode ter o sangue do mito, mas não tem a biografia do estado. E, em terra onde cada município ainda se reconhece como comunidade, isso pesa. A legitimidade, aqui, não se herda. Se conquista.
Há também um cálculo simbólico em jogo. Quando Bolsonaro lançou o filho no estado mais fiel de sua base, quis enviar uma mensagem de continuidade e confiança. Mas o que chegou foi uma mensagem de imposição e desapropriação. Em vez de fortalecer a base, o gesto desmantelou as placas tectônicas da direita catarinense.
A unidade se fragmentou em microlealdades, e o que era reduto pode acabar virando campo de disputa. Em política, toda tentativa de controle absoluto costuma gerar o efeito inverso: a autonomia se rebela.
O curioso é que, ao tentar garantir o futuro do clã, Bolsonaro pode ter colocado em xeque a própria hegemonia da direita em Santa Catarina. A base segue majoritariamente conservadora, mas começa a se dividir entre a lealdade ao mito e o respeito ao território. E esse tipo de fissura, uma vez aberta, raramente volta a se fechar.
No fundo, essa história diz muito mais sobre o eleitor catarinense do que sobre o ex-presidente. Mostra que Santa Catarina é o último bastião da política de princípios, onde a coerência ainda vale mais que o aplauso, e o pertencimento vale mais que o carisma. Um estado que respeita seus aliados, mas não terceiriza sua dignidade.
Bolsonaro ainda é uma figura gigantesca. Mas, dessa vez, o gigante pisou em solo sensível, e como toda travessia mal calculada, pode descobrir tarde demais que o abismo da política não perdoa quem ignora o terreno.
No fim, talvez reste uma lição simples: a diferença entre o remédio e o veneno está na dose. Nessa tentativa de consolidar o clã, Bolsonaro pode ter dado ao próprio movimento uma dose excessiva de centralização, o suficiente para adoecer aquilo que mais o fortaleceu: a espontaneidade da base.
Santa Catarina continuará sendo o que sempre foi: um estado de trabalho, de valores e de convicções firmes. Mas um aviso está sendo dado: não há mito maior que o senso de pertencimento de um povo. E se Bolsonaro não entender a tempo, o aviso pode virar uma dura mensagem no outubro vindouro. E, se a política é o xadrez do poder, talvez o rei não tenha caído, mas desta vez, pode tropeçar no próprio chão.






