O drama de Amin: quando a narrativa engole o político

Que fique claro logo de cara: essa coluna não é sobre política, embora os primeiros parágrafos possam sugerir o contrário. O assunto aqui é narrativa (ou propósito), o verdadeiro cerne do marketing político.

Fred Perillo analisa pelo prisma do marketing a transformação da narrativa de Esperidião Amin como um político de direita

O personagem em questão é o senador catarinense Esperidião Amin (PP-SC), um dos últimos representantes da velha guarda da política de Santa Catarina.

Líder de um clã político tradicionalíssimo (embora com duras derrotas recentes da esposa, Ângela, e do filho, João), Amin sempre foi um político declarado de direita.

Nomeado prefeito biônico nos anos 70, eleito governador nos anos 80, ele sempre encarnou uma direita que, à época, tinha pautas diferentes das atuais: falava em gestão pública, meritocracia e modernização do Estado. “Guerra cultural” era um termo inexistente.

Eram os tempos em que a direita debatia o tamanho do Estado, e não o tamanho das saias. É justo afirmar que Amin representava a direita soft: firme, porém moderada e civilizada.

Mesmo sem ter acompanhado sua trajetória de perto, uma rápida pesquisa mostrou-me que ele governou com coalizões, dialogou com adversários, e sentou-se à mesa com a esquerda quando o interesse estadual assim exigia.

Era um político de perfil técnico e temperamento conciliador,  exatamente o oposto do atual político inflamado de rede social. Pois é, os tempos mudaram e Amin também mudou.

De uns anos para cá, abandonou o personagem do gestor e assumiu o do combatente. Saiu da direita clássica e vestiu o figurino do bolsonarismo mais radical.

O movimento, em tese, fazia sentido.

Santa Catarina é o estado mais bolsonarista do país e deu quase 70% dos votos válidos em 2022 para Jair Bolsonaro.

O cálculo parecia simples: se o eleitorado é de direita (e da direita inflamada) vale surfar na onda.

E deu certo. Amin saltou de uma presença tímida nas redes a discursos virais, com engajamento nas alturas.

Obviamente, ele conta com bons profissionais de comunicação, mas a virada foi no discurso, não no algoritmo.

Polêmica dá curtida. Curtida dá alcance. Mas voto é outra conversa. E talvez ele nem tenha a chance de disputar o voto que deseja em 2026.

E aí chegamos ao ponto central deste artigo: a narrativa que pode ter salvado Amin do esquecimento político e digital pode custar-lhe o futuro eleitoral.

Porque, ao se tornar um bolsonarista mais fervoroso que muitos bolsonaristas de primeira hora, ele entrou num jogo que não era dele e que já tem donos.

O cenário de Santa Catarina para 2026 está sendo cruel com ele. A chegada de Carlos Bolsonaro, por imposição do pai, e a ascensão de Caroline de Toni no PL indicam que Amin pode não ter a vaga ao Senado que tanto almeja.

Ou seja: a base que ele abraçou parece preferir outro protagonista.

Ele errou politicamente? É difícil dizer.

Mas, do ponto de vista do marketing político, ele apostou alto em um posicionamento que pode lhe custar a carreira.

Porque narrativa, pra mim, é a junção de propósito, causa e inimigo comum.

Em outras palavras, respostas a três perguntas essenciais: Por que existo? O que defendo? Contra o que luto?

Durante décadas, Amin lutou contra a ineficiência, a burocracia e a corrupção. Esses eram seus inimigos comuns.

De repente, passou a lutar contra a esquerda, como se o velho governador moderado tivesse se tornado um soldado da guerra cultural.

Será que escolheu o inimigo errado? As redes dizem que não, mas a política talvez diga o contrário.

O Amin dos dias atuais encarna um posicionamento que não nasceu dele, não combina com sua trajetória e não cabe na sua biografia.

Tem funcionado no curto prazo, mas mina aos poucos a coerência que o sustentou por quatro décadas.

Narrativas políticas são como roupas: podem ser bonitas nos outros, mas se não vestem bem em você, viram fantasia.

Amin vestiu a roupa do bolsonarismo e agora corre o risco de ser engolido pela própria história. Porque, na política, quem adota a narrativa dos outros vive à sombra deles.

E quem se esforça demais pra ser o mais fiel do reino acaba esquecido pelo rei.

A história de Esperidião Amin deixa algumas lições valiosas de marketing político:

Narrativa precisa ser autêntica. Ter engajamento digital é ótimo, mas se a narrativa não combina com quem você é, vira inconsistência.

Engajamento digital não significa sucesso eleitoral. Amin ganhou visibilidade, mas o tabuleiro político real (alianças, bases, preferência do eleitorado) não mudou.

Escolha bem seu inimigo. Ele pode ser uma ideia, um sentimento ou uma estrutura. Mas, se for o inimigo errado, você vira coadjuvante.

Causa e propósito importam mais que polêmica passageira. Uma narrativa sólida nasce da coerência, não da conveniência.

Porque, no fim do dia, não é sobre quem fala mais, e sim sobre quem conta a história certa.

E no caso de Amin, parece que a narrativa o está devorando antes que ele perceba.

Ps: Imagem criada, obviamente, com ajuda da IA.

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