O fenômeno da judicialização médica e a vitória da Procuradoria do Estado. Por Ivan Naatz

Ivan Naatz escreve artigo sobre a vitória judicial de Santa Catarina no STF, que reconhece a inclusão da União como corresponsável nos processos de judicialização da saúde, especialmente no fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS. Isso trará economia significativa ao Estado e beneficiará outros estados brasileiros.

O Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu a tese de Santa Catarina que propõe a inclusão da União nos processos em que se pedem medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS). O Tema 1234 decorre de recurso extraordinário de autoria da procuradora do Estado de Santa Catarina Flávia Dreher de Araújo e teve repercussão geral reconhecida, ou seja, o entendimento manifestado neste caso deverá ser aplicado em todos os outros processos semelhantes em tramitação no Brasil.

O recurso apresentado pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE/SC) pede que se reconheça a necessidade de responsabilizar também a União pelas despesas da judicialização da saúde. Como não há um entendimento pacificado sobre o assunto, é comum que o Estado tenha que desembolsar sozinho valores para atender ordens judiciais de compra e fornecimento de medicamentos para usuários específicos, mas que seriam destinados às políticas públicas da área em favor de todos os usuários. As decisões judiciais acabam comprometendo a execução dos investimentos planejados em benefício da sociedade e a tese defendida pela PGE/SC garante a divisão desses encargos também com a União, o que pode propiciar economia ao Estado de SC que pode ultrapassar R$ 300 milhões por ano. Esse assunto, de grande importância para o Estado, tem sido acompanhado de perto pelo Governador Jorginho Mello, que já realizou reuniões com os Chefes dos demais Poderes e órgãos autônomos, para buscar o aperfeiçoamento do sistema. 1

Para o procurador-geral do Estado, Márcio Vicari, trata-se de uma vitória histórica. “Essa é, sem dúvida, uma das maiores vitórias judiciais da PGE/SC. Embora a Constituição diga que todos os entes federados são responsáveis pelos serviços de saúde ao cidadão, em relação ao fornecimento de medicamentos, esse encargo era, na prática, quase que exclusivo dos Estados. Isso é obviamente injusto e inconforme à Constituição. Graças ao recurso judicial interposto por SC, todos os estados brasileiros serão beneficiados com a distribuição equânime dos encargos na compra de medicamentos por ordem judicial. Sem nenhum prejuízo ao cidadão, os estados passarão a economizar vultosas somas, que poderão ser aplicadas em outras políticas públicas igualmente importantes”, afirmou o chefe da PGE/SC.

Em 2019, o Conselho Nacional de Justiça lançou uma pesquisa que ajuda a entender como opera e quais os motivos da judicialização da saúde. Como a própria denominação já sugere, a “judicialização da saúde” é um fenômeno centrado na busca pela garantia do direito à saúde, pela via judicial. Mas não apenas isso.

A referida pesquisa analisou quase 500 mil processos em primeira instância, e mais de 270 mil em segunda. A partir desses dados, concluiu que a judicialização abrange não apenas questões relacionadas ao sistema de saúde público, mas também à saúde suplementar e à assistência privada.

Além disso, o mesmo estudou destaca que a judicialização da saúde não esta regredindo. Pelo contrário, os números apontam para um crescimento no volume de processos judiciais relacionados:

O número de demandas judiciais relativas à saúde aumentou 130% entre 2008 e 2017, enquanto o número total de processos judiciais cresceu 50%. Segundo o Ministério da Saúde, em sete anos houve um crescimento de aproximadamente 13 vezes nos seus gastos com demandas judiciais, atingindo R$ 1,6 bilhão em 2016. Pesquisa “Judicialização da Saúde no Brasil“, 2019.

Para além desses grandes volumes, é preciso lembrar que a judicialização da saúde também se manifesta em questões de grande repercussão. Nos anos recentes, foram levadas as cortes superiores muitas questões de saúde pública e sanitária, como aquelas relacionadas à pandemia da Covid-19. 2

Segundo dados do Ministério da Saúde o gasto do Ministério em ações judiciais de medicamentos cresceu significativamente entre 2012 e 2016 (221%), chegando a R$ 1,5 bilhão no último ano. Decresceu 26% entre 2016 e 2017, e manteve-se no patamar de R$ 1,1 bilhão de 2017 a 2019.

Segundo o Considerando o acima exposto, a LAI permitiu a identificação de 498.715 processos de primeira instância, distribuídos entre 17 justiças estaduais3, e 277.411 processos de segunda instância, distribuídos entre 15 tribunais estaduais4, no período entre 2008 e 2017. Considerando o ano de distribuição dos processos, verifica-se que há um crescimento acentuado de aproximadamente 130% no número de demandas anuais de primeira instância (Justiça Estadual) relativas ao direito à saúde de 2008 para 2017. Para o mesmo período, os relatórios “Justiça em Números” do CNJ apontam um crescimento de 50% no número total de processos em primeira instância. O crescimento das demandas sobre saúde foi, portanto, muito superior ao crescimento das demandas em geral do Judiciário, reforçando a relevância do tema.

Os principais assuntos discutidos nos processos em primeira instância são: “Plano de Saúde”, “Seguro” e “Saúde”, seguidos de “Tratamento Médico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos”. Nota-se, em particular, uma participação muito elevada dos assuntos “Plano de Saúde” e “Seguro”, revelando a relevância da litigância judicial na esfera da saúde suplementar, assunto ainda pouco investigado na literatura sobre o tema.

A Justiça Estadual de São Paulo é uma das principais responsáveis por esse grande número de processos no Brasil cujo assunto é indexado como “planos de saúde”, tendo distribuído 116.518 casos nessa categoria durante o período em análise.

Nos seis tribunais com mais casos, dentre aqueles que informaram os dados de gestão processual, os assuntos “planos de saúde” e “seguro” aparecem entre os cinco assuntos mais importantes. Interessante notar, porém, as diferenças entre os Estados: no Rio de Janeiro, “saúde” é o principal tema e aparece em 35% dos casos (isso sem descontar os processos classificados como “outros”, que envolvem, inclusive, causas não relacionadas à saúde); já em Minas Gerais, o assunto que aparece no maior número de processos é “tratamento médico-hospitalar e/ou fornecimento de medicamentos”, semelhante ao que ocorre em Santa Catarina, onde 28% dos casos são relativos à fornecimento de medicamentos; no Ceará, 67% dos processos são relativos a “seguro” e em São Paulo e Pernambuco, o assunto que mais aparece é “planos de saúde”.

Rio Grande do Norte e Pernambuco seguem São Paulo com “planos de saúde” sendo o principal tópico de demanda local. Assim como Santa Catarina e Tocantins enfrentam mais casos relativos a “fornecimento de medicamentos”. No Acre, Alagoas, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, por sua vez, predomina o assunto “tratamento médico-hospitalar e/ou fornecimento de medicamentos.

O que se observa diante dos dados publicados em diversos estudos sobre o tema é possível concluir que uma pequena parcela da população, através da judicialização de ações que buscam medicamentos de alto custo, acabam consumido boa parte dos recursos que são destinados a universalidade do sistema puxando o cobertor para cima de um pequeno grupo ao mesmo que e descobre um grupo muito maior, por isso, é preciso comemorar a vitória da PGE-SC no Supremo Tribunal sobre o tema.


Ivan Naatz é deputado Estadual e doutorando UNIVALI em Ciências Jurídicas.

COMPARTILHE
Facebook
Twitter
LinkedIn
Reddit