‭ O paradoxo da UNE: hegemonia estudantil sem respaldo partidário.‬ Por Guilherme Machado

‬Artigo de ‬Guilherme Machado de Araújo Amaral, advogado e integrante da cobertura colaborativa do 60º CONUNE‬

‭ Entre‬‭ os‬‭ dias‬‭ 15‬‭ e‬‭ 22‬‭ de‬‭ julho‬‭ de‬‭ 2025,‬‭ ocorreu‬‭ em‬‭ Goiânia‬‭ o‬‭ 60º‬‭ Congresso‬ da‬‭ União‬‭ Nacional‬‭ dos‬‭ Estudantes‬‭ (UNE),‬‭ tradicional‬‭ espaço‬‭ de‬‭ articulação‬‭ política‬ do‬‭ movimento‬‭ estudantil‬‭ brasileiro.‬‭ Foram‬‭ levantadas‬‭ pautas‬‭ de‬‭ relevância‬‭ nacional,‬ como‬‭ o‬‭ fim‬‭ da‬‭ escala‬‭ 6×1‬‭ e‬‭ a‬‭ taxação‬‭ de‬‭ grandes‬‭ fortunas,‬‭ e‬‭ eleita‬‭ a‬‭ nova‬ presidente‬‭ da‬‭ entidade,‬‭ Bianca‬‭ Borges.‬‭ A‬‭ composição‬‭ completa‬‭ da‬‭ diretoria‬‭ será‬ definida‬‭ nos‬‭ próximos‬‭ dias,‬‭ conforme‬‭ os‬‭ coletivos‬‭ que‬‭ conquistaram‬‭ espaço‬‭ na‬ executiva.

‭ Para‬‭ quem‬‭ não‬‭ conhece‬‭ a‬‭ dinâmica‬‭ interna‬‭ da‬‭ UNE,‬‭ é‬‭ importante‬‭ saber‬‭ que‬ ela‬‭ é‬‭ composta‬‭ por‬‭ diversos‬‭ coletivos‬‭ estudantis,‬‭ geralmente‬‭ ligados‬‭ a‬‭ partidos‬ políticos.‬‭ Inclusive,‬‭ é‬‭ comum‬‭ que‬‭ um‬‭ mesmo‬‭ partido‬‭ tenha‬‭ múltiplos‬‭ coletivos‬ atuando‬‭ no‬‭ movimento,‬‭ dada‬‭ a‬‭ diversidade‬‭ de‬‭ correntes‬‭ internas.‬‭ Um‬‭ exemplo‬‭ claro é‬‭ o‬‭ PT‬‭ (Partido‬‭ dos‬‭ Trabalhadores),‬‭ que‬‭ conta‬‭ com‬‭ pelo‬‭ menos‬‭ três‬‭ coletivos‬‭ no‬ meio universitário.‬

‭ Apesar‬‭ dessa‬‭ diversidade‬‭ aparente,‬‭ a‬‭ presidência‬‭ da‬‭ UNE‬‭ está‬‭ sob‬‭ o‬ comando‬‭ de‬‭ um‬‭ mesmo‬‭ coletivo‬‭ há‬‭ 30‬‭ anos:‬‭ a‬‭ União‬‭ da‬‭ Juventude‬‭ Socialista‬‭ (UJS),‬ vinculada‬‭ ao‬‭ Partido‬‭ Comunista‬‭ do‬‭ Brasil‬‭ (PCdoB).‬‭ Essa‬‭ hegemonia‬‭ se‬‭ mantém‬ mesmo‬‭ com‬‭ a‬‭ baixa‬‭ representatividade‬‭ eleitoral‬‭ do‬‭ partido.‬‭ Segundo‬‭ dados‬‭ da‬ Câmara‬‭ dos‬‭ Deputados,‬‭ o‬‭ PCdoB‬‭ elegeu‬‭ apenas‬‭ oito‬‭ deputados‬‭ federais‬‭ em‬‭ 2022,‬ menos‬‭ de‬‭ 2%‬‭ do‬‭ total‬‭ de‬‭ 513‬‭ parlamentares.‬‭ Dentro‬‭ do‬‭ campo‬‭ da‬‭ esquerda,‬ considerando‬‭ partidos‬‭ como‬‭ PT,‬‭ PSOL,‬‭ PDT‬‭ e‬‭ PSB,‬‭ o‬‭ PCdoB‬‭ representa‬‭ cerca‬‭ de‬ 6% da bancada.‬

‭ Essa‬‭ desconexão‬‭ entre‬‭ o‬‭ poder‬‭ exercido‬‭ na‬‭ UNE‬‭ e‬‭ a‬‭ presença‬‭ institucional‬ do‬‭ PCdoB‬‭ na‬‭ política‬‭ nacional‬‭ levanta‬‭ questionamentos‬‭ legítimos.‬‭ Em‬‭ 2022,‬‭ o‬ partido‬‭ não‬‭ elegeu‬‭ nenhum‬‭ governador‬‭ e,‬‭ em‬‭ 2024,‬‭ conquistou‬‭ apenas‬‭ 354‬ cadeiras‬‭ de‬‭ vereador‬‭ em‬‭ todo‬‭ o‬‭ país.‬‭ Ainda‬‭ assim,‬‭ segue‬‭ controlando‬‭ a‬‭ principal‬ entidade‬‭ de‬‭ representação‬‭ estudantil‬‭ do‬‭ Brasil,‬‭ que‬‭ conta‬‭ com‬‭ orçamento‬‭ milionário‬ e legitimidade formal para falar em nome de todos os estudantes do ensino superior.‬

‭ Nos‬‭ bastidores‬‭ do‬‭ congresso,‬‭ especialmente‬‭ entre‬‭ os‬‭ coletivos‬‭ de‬‭ oposição,‬ são‬‭ frequentes‬‭ as‬‭ críticas‬‭ sobre‬‭ o‬‭ suposto‬‭ aparelhamento‬‭ da‬‭ UNE‬‭ e‬‭ a‬‭ falta‬‭ de‬ transparência‬‭ na‬‭ gestão‬‭ dos‬‭ recursos‬‭ da‬‭ entidade.‬‭ Uma‬‭ rápida‬‭ busca‬‭ na‬‭ internet‬ revela,‬‭ por‬‭ exemplo,‬‭ que‬‭ em‬‭ 2012‬‭ a‬‭ UNE‬‭ recebeu‬‭ R$44‬‭ milhões‬‭ do‬‭ Governo‬‭ Federal‬‭ para‬‭ reformar‬‭ sua‬‭ sede‬‭ no‬‭ Rio‬‭ de‬‭ Janeiro,‬‭ prédio‬‭ simbólico‬‭ destruído‬ durante a ditadura militar, mas até hoje as obras não foram concluídas.‬

‭Diante‬‭ desse‬‭ cenário,‬‭ é‬‭ inevitável‬‭ levantar‬‭ a‬‭ pergunta:‬‭ a‬‭ UNE,‬‭ hoje,‬ representa‬‭ de‬‭ fato‬‭ os‬‭ interesses‬‭ da‬‭ pluralidade‬‭ de‬‭ estudantes‬‭ brasileiros,‬‭ ou‬ tornou-se‬‭ um‬‭ espaço‬‭ instrumentalizado‬‭ por‬‭ um‬‭ grupo‬‭ específico?‬‭ O‬‭ debate‬‭ sobre‬‭ a‬ democratização‬‭ da‬‭ entidade‬‭ e‬‭ sua‬‭ reconexão‬‭ com‬‭ as‬‭ bases‬‭ estudantis‬‭ precisa‬‭ sair‬ das‬‭ salas‬‭ do‬‭ congresso‬‭ e‬‭ alcançar‬‭ o‬‭ centro‬‭ da‬‭ discussão‬‭ pública.‬‭ Talvez‬‭ seja‬‭ hora‬ de‬‭ o‬‭ movimento‬‭ estudantil‬‭ repensar‬‭ suas‬‭ estruturas‬‭ para‬‭ recuperar‬‭ sua‬‭ força‬ histórica como instrumento de transformação social.‬

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