O silêncio ruidoso das urnas em 2024. Por Elder Arceno

Elder Arceno escreve artigo em que analisa os resultados das eleições municipais de 2024 no Brasil, destacando o fortalecimento da direita e centro-direita, especialmente em Santa Catarina, e as implicações nacionais para partidos como o PL, PSD e MDB.

Com 100% da apuração finalizada neste 1º turno das eleições municipais de 2024, seguiu-se a correria para interpretação do grito das urnas em 2024. Levanto alguns tópicos iniciais: a direita foi a grande vencedora? A esquerda está arrasada? A disputa em SC foi nacionalizada? Ofereço aqui alguns elementos para somar aos colegas que já têm apresentado suas interpretações ao resultado deste domingo.

Balanço inicial – os elementos nacionais

Embora alguns malabarismos analíticos para justificar desempenhos individuais, o fato é que a eleição deste domingo consagrou a direita e a centro-direita como grandes vencedoras neste processo. Mas, sob quais critérios se afirma uma vitória da direita e centro-direita e uma derrota da esquerda? E mais: é possível nacionalizar este processo municipal e vincular sucesso ou fracasso de Lula e Bolsonaro? Segue o fio.

Para além das circunstâncias partidárias e de governo, é inegável que no Brasil subsistem duas lideranças políticas identificadas pelo eleitor como direita e esquerda: Bolsonaro e Lula, respectivamente. Nas franjas de ambos, até o momento nenhum rebelado teve sucesso.

Contudo, à parte as figuras, prevalecem os processos. E o processo eleitoral brasileiro, sobretudo nos últimos anos, tem se consolidado pelo poder do fundo eleitoral e das emendas parlamentares, turbinadas nos últimos anos, seja como orçamento secreto, emenda de comissão, emenda do relator, emenda impositiva ou “emendas pix”. Neologismos à parte, se somarmos as emendas impositivas (que o Congresso trabalha para elevar a R$ 50 bilhões em 2025) às “emendas pix”, que devem ficar na ordem de R$ 12 bilhões, serão mais de R$ 60 bilhões de recurso público em emendas aos parlamentares e prefeitos. Esse mecanismo, normalmente ditado pelos comandos das casas legislativas federais, tem consolidado partidos do chamado “centrão” nas últimas eleições, culminando em 2024 com PSD, União Brasil, MDB e PP sendo os maiores partidos do Brasil em número de prefeituras, vereadores e população governada.

Neste grupo, habita também o PL, partido que historicamente orbitou o “centrão”, sendo até vice de Lula em 2002 e 2006, mas que resolveu liderar a direita no Brasil após a filiação de Bolsonaro. Pode-se acrescer também o Republicanos, que hoje comanda o maior estado do Brasil com Tarcísio de Freitas, é um partido orgânico entre pastores evangélicos e possivelmente comandará a Câmara dos Deputados a partir do ano que vem, com o Deputado Hugo Mota (REP/RN). No Senado Federal, Davi Alcolumbre (União/AP) deve voltar ao comando daquela casa, com apoio do Palácio do Planalto. É o Poder político exercido desde o parlamento e ministérios, produzindo uma realidade eleitoral em todo Brasil.

Dentre os partidos que lideraram a polarização eleitoral entre 1994 e 2014, o grande derrotado política e eleitoralmente de 2024 foi o PSDB, que perdeu 246 prefeituras e 1.414 vereadores no Brasil. Já o PT, até pode falar em vitória eleitoral pela ampliação de 70 prefeituras e 455 vereadores, mas jamais em vitória política.

Como saldo principal, fica clara a vitória política e eleitoral da direita e centro-direita (o chamado “centrão”). Contudo, se a esquerda e o PT saíram derrotados politicamente das urnas, não pesou a máquina do Governo Federal? Este é outro capítulo. Um spoiler: uma coisa é partido, outra é governo…

Dos 30 ministros de Lula filiados a partidos, 13 são do PT. Por outro lado, 1/3 (10!) são do MDB, PSD, União Brasil, PP e Republicanos e PRD (José Múcio, Ministro da Defesa, oriundo da ARENA). Com isso, levando em conta as siglas, 10 ministros de Lula são de centro-direita e direita. Dos outros 20, o PT possui 13, PDT e PSB com 2 de cada, além de PCdoB, REDE e PSOL tendo 1 para cada partido. Significa que 1/3 do governo é de direita? Não creio. Mas, então, 2/3 é de esquerda? Tampouco… Isso diz muito sobre a gestão do Governo, e mais ainda sobre agenda de governo e atuação partidária. Estão presentes na coalizão de governo, a maioria dos partidos que lideram a destinação de emendas e investimentos por parte dos ministérios. Se isso não garante força ao partido que lidera o governo, não permite dizermos que o governo, como força de composição, sai fragilizado.

E em Santa Catarina, quem cresceu?

Quanto ao sobe-desce eleitoral, vamos aos principais resultados individuais em Santa Catarina.

O PL foi o grande vencedor dessas eleições em Santa Catarina. Projetou uma centena de prefeituras e conquistou 90 (62 a mais que 2020), tendo ainda 54 vice-prefeitos e 586 vereadores. Ainda “a onda”? Não creio. Aquela onda PSL que fragilizou os partidos de direita e centro-direita em 2018 não teve o mesmo eco em 2020, tendo o PSL feito apenas 132 vereadores e apenas 13 prefeituras. É bem verdade que nas eleições de 2020 Bolsonaro já tinha saído do PSL, mas contava com Carlos Moisés no comando do Governo do estado. Naquele momento, o PL foi o partido de direita que saiu fortalecido, já conduzido pelo então senador Jorginho Mello.

Após a eleição de 2022, que elegeu o mesmo Jorginho para o comando do Poder Executivo, a maior bancada na ALESC e o maior número de deputados federais em SC, além do Senador, a onda PL encontrou em 2024 um partido já estruturado, com capacidade de dizer ao eleitor que em Santa Catarina a direita bolsonarista (e a maioria da não bolsonarista) tem um nome e um número (ainda que não apenas um). A onda de 2022 se encontrou com um partido sólido e estruturado, com fundo eleitoral e condições para revirar o cenário eleitoral em 2024, confirmando a vitória eleitoral e política do partido em SC.

O NOVO também cresceu no estado, comandando a partir de 2025 três prefeituras. Além de manter Joinville, a maior cidade do estado, venceu em Corupá e Ascurra. Também sua bancada de vereadores se ampliou em SC, indo de 10 eleitos em 2020 para 35 em 2024, se colocando como força alternativa de direita no estado. Conseguirá ampliar na medida em que tenha uma agenda própria, desvinculada do PL, focando em temas que o trouxeram até aqui, como gestão e finanças públicas. A virada pragmática do partido, utilizando o fundo eleitoral, fazendo coligação com demais partidos, ampliou sua base eleitoral. Contudo, se disputar as pautas nos temas de costumes e outros que caracterizam a agenda bolsonarista, ficará limitado a um satélite do PL.

O PSD também teve uma vitória eleitoral em Santa Catarina, ainda que tenha perdido uma prefeitura em relação ao número que elegera em 2020. Comandará 41 municípios a partir de 2025, com destaque para a capital Florianópolis e a vizinha São José, além de Criciúma, Chapecó e Balneário Camboriú, que estão entre os mais populosos e economicamente mais importantes do estado, ficando atrás apenas do PL em população governada. O partido projetava comandar as maiores prefeituras e o maior número de eleitores. Atingiu em partes os objetivos nas prefeituras, e ampliou para 397 vereadores eleitos (30 a mais que 2020). Sai bem do pleito estadual, se consolidando como uma força de centro-direita, assim como no Brasil.

Quem se manteve?

Entendo que o PP sai relativamente bem deste pleito, espelhando uma retomada eleitoral do partido a nível nacional, ainda que tenha perdido 52 vereadores em relação a 2020. É um elemento surpresa pois foi uma sigla fragilizada pela onda bolsonarista de 2018 e 2022, mas que demonstrou resiliência neste pleito, mantendo praticamente o mesmo número de prefeitos, consolidando a força dos deputados estaduais da região sul, sobretudo o deputado José Milton Scheffer, além do Senador Esperidião Amin. Ao contrário do MDB, que possui várias correntes internas, desde uma centro-esquerda até a direita, o PP é um partido de direita desde sua formação, tendo inclusive o próprio Jair Bolsonaro em seu quadro de filiados durante muitos anos. No momento em que Bolsonaro canalizou o voto da direita primeiramente no PSL e depois no sólido PL, fragilizou as siglas deste campo político em Santa Catarina. Neste sentido, manter certa estabilidade neste pleito, demonstra que o partido sobrevive à avalanche e se consolida como uma alternativa também à direita em SC e no Brasil.

Quem encolheu?

O MDB sofreu uma derrota eleitoral, deixando de ser o partido com o maior número de prefeituras após perder 26 municípios entre os pleitos de 2020 e 2024. No legislativo municipal, ainda que tenha mantido a primeira posição em número de vereadores, perdeu 82 em relação a 2020, elegendo 741 vereadores em SC. O MDB será, a partir de 2025, a terceira força em número de população governada, atrás do PL e do PSD. É um fato novo para o partido, que se acostumou com a dianteira dos processos em SC, e sofre considerável dificuldade nos últimos anos. A que se deve este fato? Vários fatores, dentre eles sustentar um governo de composição durante muitos anos. Isso custa divisão de espaço com os demais partícipes da aliança.

Desde as eleições conquistadas por LHS em 2002 e 2006, o partido cedeu ao DEM e PSD do ex-Governador Raimundo Colombo, e separadamente ambos perderam para a onda PSL em 2018. Mesmo assim, o MDB nunca deixou de ocupar espaço nos Governos subsequentes à “polialiança”, garantindo a governabilidade a Carlos Moisés e compondo também a base de governo de Jorginho na ALESC, além de Secretaria de Estado. Manteve o maior número de vereadores neste pleito, o que demonstra ainda sua capilaridade. Se voltará a liderar processos, caberá uma boa reflexão e cortes por parte de suas lideranças.

O PSDB reproduziu em Santa Catarina uma tendência de queda em todo o país. Das 32 prefeituras eleitas em 2020, restaram 13 neste pleito. Das 261 vagas de legislativo conquistadas em 2020, uma queda para 176 neste pleito. Para o partido que durante duas décadas polarizou nacionalmente as eleições com o PT, se caracterizando como o líder da centro-direita e absorvendo eleitoralmente a direita em todo o Brasil, viu este eleitor optar pelas siglas originariamente de direita e sofre com a queda-livre nos últimos anos.

É um movimento claro no próprio estado de São Paulo, tido como o esteio dos tucanos, com a perda de 149 prefeituras pelo interior do estado (considerando também a capital que elegeu em 2020 Bruno Covas, que faleceu pouco tempo depois e agora não ocupa o 2º turno). Na Câmara de Vereadores, elegeu apenas 317 em detrimento dos 1.210 eleitos em 2020. É o PSDB, seguramente, o partido grande que sofreu a maior derrota neste processo.


E por falar no PT, ainda que tenha obtido números eleitorais maiores no Brasil em relação ao pleito de 2020, em Santa Catarina não espelhou o movimento, perdendo 4 das 11 prefeituras conquistadas em 2020, sendo que 6 das 7 prefeituras conquistadas estão concentradas na região oeste do estado, de onde vem também os 4 deputados estaduais e um dos dois federais.

Se este dado demonstra a inequívoca liderança regional dos parlamentares do partido, deixa evidente também a dificuldade em se “re-litoralizar”. Não faz muito tempo, em 2004 o partido esteve entre os cabeças daquela eleição pós “onda Lula” de 2002, que deu ao atual Presidente naquele pleito a vitória no 1º e no 2º turno em SC, conquistando uma histórica vaga no senado, 5 deputados federais, 9 deputados estaduais e, ainda que não tenha chegado no 2º turno para o governo do estado, foi decisivo na eleição de Luiz Henrique da Silveira (PMDB) na disputa com Esperidião Amin (PPB, atual PP).

A onda de 2002 se reproduziu no pleito municipal de 2004, quando conquistou 153 prefeituras, ficando atrás apenas do PMDB, com 234 prefeituras naquele pleito, elegendo também 216 vereadores. Neste caso podemos falar em “onda Lula” de fato, pois logo no pleito 2006 e subsequentes, o partido jamais reproduziu a mesma densidade eleitoral de 2002 e 2004, mesmo com o comando do governo federal no momento das eleições municipais de 2008, 2012 e 2022. Nas eleições de 2016, Dilma já havia sofrido o impeachment. A corrosão eleitoral petista se deve ao eleitorado brasileiro ser massivamente de direita? Ou o exercício do poder palaciano trouxe ao PT no Brasil o mesmo cenário que ao MDB catarinense? Questões que valem boas teses e debates.


O União Brasil, em sua primeira eleição municipal após a fusão do tradicional DEM (PFL) e o PSL, perdeu prefeituras e vagas nas câmaras de vereadores. Das 13 prefeituras conquistadas pelos dois partidos em 2020, passou a 9 nesta eleição, e dos 189 vereadores eleitos em 2020, passou a 150 neste pleito. Movimento antagônico ao resultado eleitoral nacional do partido, em que se consolidou entre os maiores do país em número de prefeituras e vagas nos legislativos municipais.

O que vem pela frente?


Não podemos afirmar que os principais municípios do Brasil polarizaram uma disputa entre Bolsonaro e Lula. Não podemos dizer também que ambos foram decisivos no processo eleitoral deste ano. Podemos, sim, afirmar que a dinâmica local sofre menos influência de um líder de massa nacional e mais das lideranças locais, do peso da máquina, das emendas e do orçamento.


Contudo, como liderança partidária, Bolsonaro pode crescer com a consolidação da direita e de seu partido. Se retomar a condição de elegibilidade, lidera seu campo. Se não, poderá unir forças com outras lideranças regionais que já se colocam como alternativas, caso dos governadores Ratinho Jr. (PSD), Ronaldo Caiado (União), Romeu Zema (NOVO), que estão no segundo mandato, ou mesmo Tarcísio de Freitas (REP), se arriscar uma reeleição aparentemente segura ao Governo de São Paulo. Michelle Bolsonaro (PL) é alternativa? Haverá um outsider, ao estilo Marçal? São vários senões, e muitas possibilidades.


Já Lula perde como líder e referência partidária juntamente com seu partido. Se vai faturar como liderança dessa coalizão de um governo pluripartidário, o tempo dirá. Lula, aliás, já na composição do Governo se colocou como líder de uma frente ampla com objetivo de derrotar politicamente Bolsonaro, após vencê-lo eleitoralmente. Se candidato em 2026, terá ainda mais a esta característica.


O certo é que as bancadas de deputados estaduais, federais e senadores de 2026 serão o espelho do pleito municipal de 2024, ainda mais à direita que os anteriores. Independente de quem for o Chefe do Executivo a partir de 2027, terá de lidar com um congresso dominado pelos partidos de centro-direita e direita, turbinados desde a base municipal, uma agenda econômica liberal e conservadora nos costumes.


Elder Arceno é bacharel em Direito pelo CESUSC e Economia pela UFSC, Especialista em Direito Público pelo CESUSC, Gerente de Relações Institucionais e Governamentais da Fecomércio SC.

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