
E o vice-prefeito de uma cidade paulista que cometeu um ato racista em uma partida de futebol e teve que se afastar de suas funções?
Essa coluna não abordará o inferno que se abateu sobre o político. Sobre as temidas crises de imagem a jornalista Déborah Almada escreve com muita propriedade na coluna Reputação em Foco.
O que me chamou a atenção neste episódio foi o total desconhecimento (dele e de sua equipe) de certas “regras” não escritas que surgiram após a popularização das redes sociais no ambiente institucional e a adesão por políticos e gestores a uma comunicação hiperpersonalizada.
Eu quero fazer um alerta para que “erros” como esse (no caso específico, crime também) não sejam cometidos por gestores incautos.
O episódio a que me refiro provavelmente é de seu conhecimento, pois foi amplamente noticiado. De qualquer forma, segue um breve resumo: o vice-prefeito de São José do Rio Preto, Fábio Marcondes (PL), bradou uma frase racista contra um segurança do Palmeiras, depois da vitória do Verdão sobre o Mirassol, pelo Paulistão.
No vídeo, que foi gravado pela TV Globo, ele chama o funcionário do Palmeiras de “lixo”. Em seguida, ouve-se um grito de “macaco velho”. A cena termina com um dos seguranças do clube dizendo “racismo, não!”.
Marcondes foi afastado do cargo e, além de vice-prefeito, também exercia a função de secretário de Obras, da qual pediu exoneração.
Quando soube do episódio, ainda no domingo à noite, imediatamente entrei no perfil do agressor no Instagram. Não foi pequena minha surpresa quando vi que estava fora do ar. Sua equipe, provavelmente inexperiente, se desesperou e optou pelo caminho mais fácil – e também o mais equivocado. Um exemplo do que não fazer em momentos de crise. Mas essa é uma outra história.
O objeto de minha análise são dois trechos que pincei do posicionamento oficial do vice-prefeito publicado no seu perfil assim que foi reativado. E as respectivas lições que podemos tirar do episódio.
Trechos que mostram que ele (e quem escreveu o texto) desconhece os preceitos mais básicos da nova comunicação política digital. E do novo mundo pós-redes sociais.
Vamos a eles:
Trecho 1: “Ressalto que as imagens divulgadas representam apenas um recorte dos acontecimentos”.
Lição: Sim, cara-pálida, as redes sociais repercutiram apenas um recorte da sua fala. E é exatamente isso que importa na internet, pílulas de conteúdo que provocam fortes reações na audiência. Quanto pior a reação, melhor.
Vivemos um tempo de recortes, de manchetes berrantes. Quer highlight mais forte que um político chamando um segurança de “macaco velho”? Em tempos de comunicação veloz e superficial, as pessoas consomem manchetes. Quer oferecer conteúdo denso, explicações profundas? Escreva artigos. Evite oferecer às crudelíssimas redes sociais conteúdos que possam dar margem às tretas que elas tanto amam.
Trecho 2: “esclareço que os eventos ocorreram em âmbito estritamente pessoal, sem qualquer relação com minhas atribuições na Secretaria de Obras ou com o cargo de Vice-Prefeito”.
Lição: É aqui que o bicho verdadeiramente pega.
É inadmissível que ele não entenda que atualmente é impossível separar a conduta “pessoal” de um agente público da “institucional”. É preciso ter em mente que seus comportamentos nas redes sociais, voluntária ou involuntariamente (que foi o caso), podem minar sua credibilidade e da instituição que representa.
No excelente Manual de Boas Práticas e Recomendações em Mídia Digital da Prefeitura do Rio de Janeiro, está escrito: “Por isso, pede-se atenção a tudo o que se publica, lembrando que é importante sempre estar dentro da lei e exercer a cordialidade. O funcionário ou servidor deve manter, online, a conduta que se espera dele fora dos ambientes digitais”. E olha que este manual é de 2018, a coisa piorou muito de lá pra cá.
Sim, o vice-prefeito não estava online quando cometeu o suposto crime de racismo. Mas foi uma atitude que reverberou do mundo real pro virtual. Portanto, se enquadra no que diz este manual.
Todo cuidado é pouco.
O escritor Gabriel García Marquez disse um dia: “Todos temos três vidas: A vida pública, a vida privada, e uma vida secreta”.
Os tempos são outros e duvido que ele repetiria a mesma frase, caso fosse vivo. Marquez morreu em 2014, ano em que o Facebook adquiriu o Whatsapp.
A partir de então, nos últimos dez anos, a privacidade virou utopia.
Não existe mais vida privada, muito menos secreta. Só a pública.
Aliás, o que o vice-prefeito disse é digno de ir pra privada.
Ou melhor, pra cadeia.
ps: o pronunciamento completo está no perfil @fabiomarcondes_oficial
Crédito da foto: Band/Uol