Geminiana, maratonista, advogada e, agora, remanescente da lista tríplice da disputa por uma vaga no Quinto Constitucional da OAB. Na entrevista que inaugura o espaço #PáginasAzuis, Giane Bello fala sobre um processo longo e desgastante, que expõe o candidato a um nível raro de avaliação pública, envolvendo voto, articulação política, visibilidade e, sobretudo, resistência emocional. Ela detalha os bastidores da eleição que a levou à lista tríplice do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, os desafios adicionais enfrentados por mulheres nesse percurso, a ansiedade da votação, a relação com o governador e como a corrida, incluindo uma ultramaratona de 100 km na Patagônia, virou exemplo de para um dos momentos mais intensos de sua trajetória profissional.
Maga: Dra. Giane, a Sra. participou da escolha da vaga do Quinto da OAB-SC e teve um desempenho que foi considerado uma vitória. Queria que a senhora me falasse um pouquinho sobre esse processo todo, como é que foi participar dessa disputa e como é que a senhora avalia a sua colocação.
Giane: Sempre é importante ter um espaço de visibilidade, especialmente em um processo que ainda é muito masculino. A participação feminina precisa ser enfatizada, inclusive como forma de inspirar outras mulheres que desejem almejar esse cargo.
Avalio o resultado como excelente. Embora não tenha culminado na nomeação, sabemos que são três candidatos na lista tríplice e apenas um é escolhido, por decisão livre do governador, o objetivo principal sempre foi alcançar a lista tríplice, para então ser uma opção real.
Quando você atinge a lista tríplice para o cargo de desembargador de um tribunal catarinense, que é um dos tribunais de referência do país, você passa a ser também uma referência dentro da sua classe. Neste momento não houve a nomeação, mas isso não significa que futuramente não possa acontecer. Estar na lista tríplice e não ser nomeada me torna uma remanescente de lista, e isso já confere uma credibilidade inicial junto ao Tribunal de Justiça. Muitos desembargadores consideram esse fator importante, porque o candidato já passou por todo o processo e atingiu mais de 50% de aprovação. Claro que não é um critério absoluto, mas é sempre uma recomendação relevante. Por isso, chegar até ali é tão importante.
Maga: não foi a primeira vez que a senhora participou dessa disputa, mas foi a primeira vez que a senhora integrou a lista tríplice. O que que a senhora fez de diferente pra ter esse resultado?
Giane: Na minha concepção, o Quinto sempre foi uma caminhada, uma trajetória. Eu precisava construir o meu nome perante a classe e o tribunal, porque eu não era um nome conhecido, um nome expoente. Essa construção era necessária. Muitos colegas que participam desse certame já têm renome ou exerceram cargos públicos relevantes, o que os credencia de certa forma. No meu caso, não. Eu precisava começar. Por isso, no pleito passado, em 2023, quando concorri com a Fernanda Sell, que acabou nomeada, foi a minha primeira vez.
Ali eu me apresentei à classe e estadualizei meu nome. Eu era mais conhecida na capital, por conta da atuação profissional e na OAB, mas a candidatura ao quinto amplia muito essa visibilidade, porque você precisa alcançar toda a advocacia do Estado. A própria OAB proporciona esse contato. A partir daí você passa a ser conhecida, e isso se torna um crivo da classe: pode passar ou não, mas é preciso começar.
Naquele pleito, consegui acessar a lista sêxtupla e visitei os desembargadores. Era um tribunal grande, com áreas em que eu não atuava, então pude ampliar minha apresentação. Fiquei em quarto lugar, com poucos votos de diferença da terceira colocada. Isso marcou o início efetivo do meu processo. Muitos desembargadores naquela ocasião já estavam comprometidos com outros candidatos, seja pelo nome já conhecido ou por escolhas anteriores. Ainda assim, fiquei com uma expectativa positiva para a sequência.
Maga: Então, naturalmente, a senhora é, vamos chamar de pré-candidata da próxima vaga do quinto?
Giane: Agora não necessariamente. Meu objetivo era atingir a tríplice, e eu não sabia se isso seria possível. Poderia ser que, no segundo processo, eu não tivesse a mesma aceitação. Por isso vim novamente. Esse quinto foi considerado um “super quinto”, com nomes muito expressivos e uma disputa forte, majoritariamente masculina, eram apenas três mulheres na lista de 12. Para mim, era uma oportunidade importante de estar numa lista tríplice com nomes de grande relevância.
Todos que se inscrevem têm alguma esperança de nomeação. O processo é longo, este levou um ano e muitas combinações podem ocorrer. Meu objetivo era chegar à tríplice, e isso foi alcançado, com um resultado excelente: empate em segundo lugar com um candidato de carreira muito consolidada (ela se refere ao Dr. Márcio Vicari).
Daqui para frente, o cuidado precisa ser maior. Não posso ficar me candidatando sucessivamente sem uma análise mais profunda do contexto. A nomeação depende de momento, de conjuntura. Pode haver um momento oportuno e outro não. Participar sem perspectiva pode gerar desgaste e até um efeito inverso.
Maga: A senhora mencionou que o objetivo que era integrar a lista tríplice, ser vista, ser conhecida por todos os pares no tribunal. E o governador, ele ligou para a senhora depois da eleição? Ele fez algum contato? Vocês se falaram ou não?
Giane: Não houve contato. Isso fica a critério do governador, e também não houve iniciativa da minha parte. O processo foi resolvido muito rapidamente, em questão de horas. Em alguns casos, as nomeações demoram mais e, nesse intervalo, é comum que o candidato busque uma audiência para se apresentar. Mas, desta vez, foi muito rápido.
Maga: No dia da votação, eu estava lá também, a gente acompanhou e viu que é natural os candidatos estarem bastante nervosos, ansiosos e alguém perguntou se a senhora estava nervosa e a sra. disse que sim, que na outra vez estava mais tranquila. Por que que dessa vez estava nervosa? Estava sentindo que iria para a tríplice?
Giane: Acho que isso é muito do ser humano. Na primeira vez, eu não tinha a pretensão de chegar à tríplice. Estava iniciando minha jornada, estadualizando meu nome. Cheguei em sexto lugar e fiz um trabalho que considerei bom, mas a possibilidade era mais distante. Durante o processo, o candidato vai sentindo o ambiente, conversando com os desembargadores, percebendo sinais. Na primeira vez, entrar na lista seria uma surpresa, então o senso de obrigação era menor. Eu estava mais tranquila.
Quando fiquei em quarto lugar, com poucos votos de diferença, fiquei muito feliz. Aquilo abriu campo para trabalhar a próxima disputa. Eu senti que tive uma aceitação importante. Não atingi 50%, mas cheguei perto. Quando você fica tão próximo, há espaço para avançar. Na segunda vez, eu vim diferente. Eu vim para entrar na tríplice. Era um compromisso comigo mesma.
Eu sou corredora. né? Eu sou corredora maratonista, então eu tenho isso. Meu compromisso com a corrida é meu. Eu fui em dezembro para Patagônia correr 100 km. Eu me preparei. Eu sei o quanto custou para mim em termos pessoais de dedicação, alimentação, preparo físico. Foi muito tempo. Então, eu fui para lá, eu não fui competir para pódio, mas eu fui para realizar os 100 km. Eu tinha que sair bem de lá. E deu certo, sair bem, saí com a minha medalha, deu certo.

Maga: O que que foi mais difícil? Os 100 km na Patagônia ou a disputa do quinto?
Giane: A disputa do Quinto. Sem dúvida. É uma prova extrema. Você se coloca à prova diante de toda a sua classe, do tribunal, da opinião pública. É um cargo de muita visibilidade. Tudo é observado, julgado. Além disso, há o desgaste físico e emocional. E, para a mulher, é ainda mais difícil.
Maga: Eu ia te perguntar sobre isso. Para mulher é mais difícil? Porque a mulher tem alguns elementos a mais como a imagem, cabelo, maquiagem, salto.
Giane: Sem dúvida. Ficamos dois meses dentro do tribunal, todos os dias. Os colegas diziam que estavam cansados, e eu brincava: “Vocês podem usar o mesmo terno a campanha inteira que ninguém percebe”. Eu não. Preciso estar todos os dias com roupa diferente, cabelo, maquiagem, salto.
Entre uma entrevista e outra, às vezes havia cinco minutos. Eu fazia videoconferência em corredores, improvisava. Além disso, a mulher precisa saber exatamente o que falar para cada desembargador, selecionar o que do currículo é relevante naquele tempo curto. Tudo isso mantendo uma imagem de preparo, segurança e competência.
Maga: Por isso que é mais difícil que a corrida na Patagônia, né?
Giane: (rindo) Muito mais que a Patagônia!
Maga: E deu tempo de treinar nesse período?
Giane: Esse ano eu corri bem menos, bem menos mesmo, inclusive até olhei agora final de ano, fiz o balanço com o meu treinador e ano passado eu corri 1.600 quilômetros e esse ano eu corri 800 e poucos quilômetros, quase 900.
Maga: tá com déficit então! Vai dar tempo de correr mais no fim do ano?
Giane: tem só uma corrida dia 20 que é de Natal, mas esse mês de novembro eu consegui recuperar, eu fiz três meias maratonas em novembro.
Maga: durante o processo do quinto?
Giane: durante o processo, que é para relaxar a cabeça, Maga, porque aí é terapia para mim, né? Enquanto eu corro, eu tô relaxando a mente.
Maga: Qual foi o momento durante o processo todo, seja dentro do tribunal, sozinha ou convivendo com os colegas disputando, qual foi o momento mais marcante desse processo? Tem algum que te marcou?
Giane: (emocionada) é muito difícil selecionar um momento no meio de tantos, eu até me emociono porque realmente são muitos. Eu me emocionei porque eu lembrei dos meus filhos. Acho que o mais marcante assim é a participação deles, sabe? Fui fazer essa batina, saber que eles estão ali te vendo. Sabe?
Maga: Que lindo!
Giane: então o momento da inscrição que eu estive com os meus dois filhos e o momento das duas sabatinas, principalmente a do tribunal, que meu filho ficou lá assistindo, essa participação dos filhos, eu acho que ela é muito marcante. No processo em si, destaco dois momentos: a votação da lista sêxtupla, depois de percorrer todo o Estado, e a sabatina no Tribunal de Justiça, que é profunda e exigente, técnica e humana ao mesmo tempo.
Maga: Quem é a Dra. Giane que entrou nesse processo eleitoral e quem é a Dra. Giane depois? O que que mudou?
Giane: É impossível sair igual. Saio mais forte, mais madura. Ter a aprovação da classe e do tribunal é uma vitória. Ainda estou me refazendo, mas amadureci muito.
Maga: A Sra. é uma mulher de fé?
Giane: Sou, sim. Na primeira vez entrei como numa prova de 5 km. Desta vez, foi minha ultramaratona. Porque a todo tempo, para mim, eu tinha que estar nessa tríplice. Eu acho que isso responde aquela pergunta que você fez sobre ter ficado tão nervosa no dia.
Maga: a senhora é virginiana?
Giane: Não, eu sou geminiana. Mas eu devo ter aí algum pezinho aí em virgem!
Maga: é que o virginiano é muito assim né, de se colocar num desafio, “eu vou lá fazer, eu tenho que conseguir, não posso não conseguir”.
Giane: na verdade o meu ascendente é Áries, né? Então o Áries tem um pouco disso também, só não é tão organizado quanto o virginiano. O ariano não encontra obstáculo que o remova do objetivo só que ele não é tão organizado quanto o virginiano.
Maga: tem alguma maratona prevista para o ano que vem?
Giane: eu tenho uma maratona que eu tenho muito carinho, que ela é da Serra do Rio do Rastro. Eu já fiz cinco, vai ser a sexta. Todas as que eu fiz eu falei que era a última. A primeira vez que eu fiz o 42 da Rio do Rastro, quando chegou lá faltando uns 8 km, lá em cima naquele topo lá, eu já não conseguia mais ter forças, aí eu subia rezando, eu dizia assim: “Meu Deus, me ajuda a termina essa prova viva porque vai ser a última”. Aí eu terminei em viva, né? E no ano seguinte, quando eu tava lá sofrendo de novo, aí é como se “lá em cima” dissesse assim: “Agora tu se vira, porque tu falou que era a última, eu te ajudei, agora tá por conta”. Acho que o quinto também é um pouco disso, a gente sabe que é difícil, a gente sabe que vai sofrer, a gente não tem uma certeza do resultado, mas eu acho principalmente, Maga, que a gente tem que ter um propósito e um objetivo muito grande para isso.
E quando me falam da corrida e eu uso muito a corrida como comparativo, nada justificaria você fazer 42 km subindo a Rio do Rastro. Nada justificaria você fazer 100 km na Patagônia. Não tem a justificativa. A não ser a tua realização pessoal por considerar importante todo o processo. Por algum motivo e algum bem-estar que isso te causa, né? A sensação de que você venceu de alguma forma, você mesma.
E eu acho que o quinto, ele traz um pouco disso. Eu não consegui trazer outras palavras sobre como eu me senti ao final desse processo, mas eu me senti muito realizada, se couber a palavra assim, me senti capaz, porque eu realmente idealizei a tríplice e eu me dediquei muito, não foi uma não foi algo fácil de ir lá e fazer. Eu me senti muitas vezes sozinha nesse processo.
Maga: em uma palavra, o que foi 2025 para a senhora?
Giane: 2025 foi incrível. Foi incrível. Eu não deixaria de fazer nada do que eu fiz. Eu acho que foram grandes conquistas. Eu não tenho dúvida que depois que eu consegui me refazer ainda, eu vou conseguir identificar como saiu essa Giane, que foi a pergunta que você fez, que eu acho que eu fiquei devendo um pouco, porque ainda não consegui identificar.
Mas eu acho que sem dúvida, é, uma Giane mais forte sim, com uma visão mais ampla de um todo.
*Nota da coluna: a entrevista foi feita por videochamada, sem roteiro prévio. A intenção desse tipo de conversa é deixar que ela aconteça, sem tentar controlar o rumo do diálogo. É meu estilo favorito de entrevista. Foi feita com amor. Espero que você tenha gostado!
O post Páginas Azuis: Dra. Giane Bello: a terceira colocada “vencedora” na disputa da lista tríplice da OAB apareceu primeiro em Maga Stopassoli.





