Por que Ana Campagnolo se tornou maior que o bolsonarismo em Santa Catarina?

Fred Perillo analisa o embate entre Ana Campagnolo e lideranças do bolsonarismo em Santa Catarina e fora do Estado

Ela ainda é bolsonarista, mas já não precisa do bolsonarismo. O caso da deputada estadual prova que a influência pode superar a identificação ideológica. 

Tentarei explicar minha linha de raciocínio no artigo abaixo, com duas ressalvas. 

A primeira: não tenho nenhuma pretensão de profundidade em um espaço tão reduzido. Quem sabe esse tema vire um ensaio mais longo, futuramente.

A segunda: meu texto não é sobre política, até porque conheço pouco os bastidores desse imbróglio (adoro essa palavra). Eu escrevo sobre narrativa, influência e mobilização. Por favor, deixem as paixões partidárias de lado.

O que explica que Ana Caroline Campagnolo desafie Carlos Bolsonaro, símbolo máximo do bolsonarismo, e ainda assim conquiste a adesão de boa parte da direita catarinense, que ela própria ajudou a formar? 

Ok, reconheço que ela não exatamente “desafiou” e apenas lembrou um acordo que não estava sendo cumprido. Mas, na religião bolsonariana, quem pensa o contrário é automaticamente um traidor. 

A resposta cabe em duas palavras: influência e identificação.

A maioria dos políticos bolsonaristas, catarinenses e de outros estados, vive da identificação ideológica. Esse modus operandi depende da aprovação do líder e da repetição do discurso. 

Dessa forma, o eleitor os reconhece como soldados da tropa. É uma relação vertical, de cima para baixo. Ou seja, o mito fala e a base obedece. 

Nada muito diferente da esquerda lulista, mas essa é outra história. 

Ana Campagnolo joga outro jogo. Sua força vem da influência horizontal, aquela que conecta pessoas entre si, não só ao líder.

A diferença para seus pares (peguemos as bancadas estadual e federal catarinense) é que ela não apenas representa eleitores, mas forma comunidade. 

Vejam bem, Ana não é apenas uma política. Ela é professora, autora, palestrante, influenciadora. Organiza clubes de leitura espalhados por todo o estado, grupos de estudo e cursos diversos. Quem a segue, segue por pertencimento e não necessariamente por adesão ideológica.

O seu site mostra que ela oferece o “Clube Campagnolo 1.0” e o “2.0”, plataformas de educação política que mesclam cursos on-line com clube de leitura. Foram mais de três mil alunos na primeira edição. No catálogo da Livraria Campagnolo há centenas de obras recomendadas pela própria Ana, focadas em educação, cristianismo, política e conservadorismo. Ela lançou livros sobre o feminismo e um Guia de bolso contra mentiras feministas, obras que circulam entre seu público fiel.

Ou seja, ela é mais curadora do que repetidora. Mais mentora do que militante. É essa diferença que explica por que Campagnolo já não precisa do bolsonarismo para existir. Ela é bolsonarista, sim, mas independente. Embora, espertamente, não vá verbalizar isso. E essa independência incomodou o clã.

Como eu disse acima, a maioria dos políticos bolsonaristas vive da identificação ideológica. Ana Campagnolo joga outro jogo. Sua força vem da influência horizontal, aquela que conecta pessoas entre si, não só ao líder. 

Já cheguei quase à metade do artigo e não falei da questão política que motivou esse movimento. Embora, sempre, questões políticas pouco me interessem.

Era para ser simples: o bolsonarismo catarinense define suas candidaturas, indica os candidatos das bases e segue o script nacional. Só que não foi assim. 

No cenário para 2026, o ex-presidente Jair Bolsonaro sinalizou a candidatura de seu filho Carlos Bolsonaro ao Senado pelo estado, um nome com carimbo familiar, mas pouca história local. 

Campagnolo reagiu publicamente e sem rodeios. Disse que a vaga deveria ser da deputada Caroline de Toni, “catarinense legítima”, em vez de “um candidato que vem de fora”. A mensagem implícita foi: “Santa Catarina não é franquia de ninguém”.

A resposta veio rápido dos pit bulls do bolsonarismo, do senador Jorge Seif a Eduardo Bolsonaro, que usou as redes para criticar a deputada e exigir “lealdade ao projeto”. Campagnolo rebateu com a clareza que lhe é peculiar: “Lealdade é uma coisa. Obediência é outra.” 

Foi um movimento épico: uma bolsonarista de carteirinha enfrentava o próprio bolsonarismo. E, o melhor (pra ela): saía fortalecida. Não por desafiar o mito, a quem ela continua fiel, mas por mostrar que não precisava dele para ter público.

Para entender por que Campagnolo ousou isso, é preciso olhar para sua força própria. Em 2022, ela foi reeleita com quase duzentos mil votos, o maior número da história da Assembleia Legislativa de SC, resultado do ecossistema político e de influência que ela montou.

Em resumo: Campagnolo não só fala para seu público. Ela constrói espaços de engajamento, aprendizagem e identidade. Isso cria laços mais profundos do que simples “voto por ideologia”. É comunidade versus massa. 

Essa é a tese que defendo. Enquanto muitos bolsonaristas repetem palavras de ordem, Campagnolo constrói sentido. Enquanto eles falam para o público do mito, ela fala com o próprio público. Essa é a diferença entre identificação e influência. Um depende do selo do outro; o outro cria seu próprio selo.

E, no fim, o ativo político menos volátil hoje é o público fiel, não a bênção dos grandes nomes. E é justamente isso que torna seu caso simbólico. 

Campagnolo representa o momento em que a direita catarinense deixa de ser tutelada e passa a ser autônoma. É o ponto em que o mito deixa de ser o centro da órbita e começa a surgir uma constelação. 

Na política da direita de Santa Catarina, Ana Campagnolo está deixando de ser “equipe” para ser “capitã”. E não há poderoso que tolere, por muito tempo, um competidor dentro do navio.

ps: imagem gerada por IA

Os colunistas são responsáveis pelo conteúdo de suas publicações e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Upiara.