Possibilidade de indenização por perda de uma chance: o que acontece se houver a mudança legislativa? Por Letícia Martinucci Belizário e Natália Passamani Delgado

Letícia Martinucci Belizário e Natália Passamani Delgado escreve artigo sobre a teoria da perda de uma chance, suas implicações jurídicas para consumidores e empresas, e como a positivação dessa teoria no novo Código Civil brasileiro pode ampliar a proteção a direitos e a segurança jurídica.

A teoria da perda de uma chance, um conceito jurídico criado para regular situações de risco, afeta diretamente o cotidiano de consumidores e empresas. Essa teoria pode ser aplicada a casos em que o consumidor perde a chance de obter um benefício significativo, como uma oferta promocional ou um contrato vantajoso, por falhas ou erros do fornecedor. Mesmo sem garantia de sucesso, a perda dessa chance pode gerar direito a indenização.

É de conhecimento público que há um projeto de lei em discussão para alteração do Código Civil. Dentre as inúmeras modificações, destaca-se a proposta de positivar a teoria da perda de uma chance. Neste artigo, explicaremos como essa teoria jurídica protege suas expectativas e o que mudará com as novas disposições do Código Civil brasileiro.

A perda de uma chance é um conceito originário do Direito francês que foi incorporado ao sistema jurídico brasileiro. Ele busca garantir a reparação para quem teve a oportunidade real de obter um benefício, ou evitar um prejuízo, mas foi impedido de alcançá-la por ação ou omissão de outra pessoa.

Apesar de a teoria ser reconhecida nos Tribunais, não há farta jurisprudência favorável ao tema, sendo essa mais restrita a casos em que o dano foi causado por terceiro que impediu a concretização de uma oportunidade real de sucesso. Para as empresas, esse cenário também tem implicações relevantes. No ambiente de consumo, a responsabilidade sobre falhas que prejudiquem oportunidades para os clientes pode gerar indenizações com base nessa teoria.

Não é raro haver diversas ações judiciais movidas por consumidores que perderam a chance de participar de uma promoção especial devido a falhas em sites de compras ou por perderem eventos importantes devido a cancelamentos ou atrasos de voos. Nesses casos, a indenização é pela perda da oportunidade, pela frustração da expectativa do consumidor.

O que muda no projeto do novo Código Civil?

Com a inclusão expressa da teoria da perda de uma chance no projeto do novo Código Civil, o cenário ganha maior clareza e segurança jurídica, devendo, inclusive, ocorrer uma mudança no entendimento jurisprudencial atual. O artigo 944-B, que aborda diretamente o tema, prevê que a perda de uma oportunidade séria e real poderá ser considerada um dano reparável, consolidando o entendimento que já vinha sendo adotado pela jurisprudência.

O anteprojeto consagra a perda de uma chance como um dano autônomo, separando-a dos danos emergentes e lucros cessantes e desvinculando-a da necessidade de provar o dano final. A abordagem visa proporcionar uma maior proteção às vítimas, reconhecendo a perda de oportunidades valiosas como um prejuízo em si.

Essa mudança representa um avanço significativo, pois estabelece, claramente, que as chances perdidas — desde que demonstradas como viáveis — devem ser compensadas. Isso amplia a proteção de direitos e facilita o reconhecimento judicial desse tipo de dano, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas.

A indenização pela perda de uma chance será calculada com base na probabilidade de sucesso que a oportunidade oferecia. Se as chances de um desfecho favorável eram elevadas, a compensação será maior; se a probabilidade era menor, o valor da indenização será proporcional. Essa regra busca equilibrar a reparação, evitando indenizações exageradas, mas assegurando o reconhecimento devido do dano.

Outra novidade importante abordada pelo projeto é a flexibilização na produção de provas e na estimativa do dano. Muitas vezes, é difícil ou até impossível demonstrar de forma exata o valor da oportunidade perdida. Pensando nisso, a nova legislação permite que o juiz faça essa estimativa com base em critérios de equidade, utilizando os indícios apresentados no caso.

Isso representa uma evolução relevante, pois garante proteção em situações em que a dificuldade de produção de provas poderia inviabilizar o reconhecimento do direito à indenização.

A positivação da teoria da perda de uma chance garante maior segurança jurídica a consumidores e empresas afetados por perdas de oportunidades causadas por erros ou omissões de terceiros. Agora, a lei protegerá não apenas o resultado, mas também a possibilidade concreta de sucesso retirada, consolidando um meio eficaz de reparar injustiças.

O entendimento atual e expectativas:

Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adota uma postura cuidadosa, mas favorável à aplicação da teoria da perda de uma chance. O entendimento da Corte firmou-se no sentido de que a perda de uma chance somente se configura quando demonstrado que a chance perdida é real e séria. Encontram-se casos específicos como a perda de um prazo processual por um advogado, a demora excessiva para se realizar um diagnóstico ou tratamento médico ou, ainda, a impossibilidade de continuar em um concurso. Assim, não é suficiente a mera esperança ou expectativa da ocorrência do resultado para que o dano seja indenizado, como na maioria dos casos em que é fundamentada a teoria em ações consumeristas.

Com a positivação da teoria no novo Código Civil, a posição jurisprudencial, ao que tudo indica, deverá permitir uma maior flexibilidade na análise dos casos, o que deverá resultar em um maior número de condenações.

Com isso, é imprescindível que as empresas estejam preparadas para lidar com essa mudança no cenário jurídico. A previsão da teoria da perda de uma chance no novo Código Civil exige uma postura proativa na gestão de riscos e na solução de conflitos. Isso significa implementar práticas preventivas e consultivas, adotando estratégias para prevenir litígios e adequar-se aos padrões de resposta exigidos pelos consumidores.

O tratamento das reclamações deve ser reavaliado, buscando não apenas resolver as demandas, mas também garantir que a atuação da empresa esteja em conformidade com essa nova abordagem da responsabilidade civil, fortalecendo assim a confiança do consumidor e reduzindo a exposição a potenciais condenações.


Letícia Martinucci Belizário e Natália Passamani Delgado fazem parte do Núcleo Relações de Consumo da Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados.

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