Não é necessário ser um grande expert em vinhos para saber que aquela garrafa de champanhe com o rótulo amarelo é símbolo de desejo e admiração. É grande e justificada a fama da Veuve Clicquot, umas das mais tradicionais marcas de vinhos da região de Champagne, na França.
A história desse vinho começa no século 18 e tem como principal personagem a jovem Barbe-Nicole Ponsardin (1777-1866), esposa do enólogo da vinícola. Aos 27 anos, ela sofre a morte prematura do marido, enfrenta o luto e o desafio de manter a vinícola sozinha em uma época absolutamente hostil às mulheres.
O filme ‘A viúva Clicquot’ estreou ontem nos cinemas brasileiros com o desafio de mostrar ao mundo a bela trajetória dessa mulher que venceu todas as adversidades e tornou seu nome mundialmente conhecido e respeitado. Porém, na versão cinematográfica de Barbe-Nicole, sobra luto e falta encanto.
A trama se sustenta nas memórias e experiências passadas da viúva, em inúmeros flashbacks que mostram toda a devoção dela pelo marido e sugerem que é ele o centro de todas as emoções e decisões da jovem. Ficam escondidas nas entrelinhas as contribuições práticas de Barbe-Nicole para o desenvolvimento das técnicas que até hoje são utilizadas na produção de vinhos espumantes.
Para compreender a real dimensão do legado dessa mulher inteligente e inventiva, o filme não é suficiente.
Considerada Patrimônio Mundial pela Unesco desde 2015, a região de Champanhe, na França, tem muitas características que a tornam especial no contexto da produção de vinhos. Dois deles são essenciais para entender a importância da Veuve Clicquot: o método tradicional de produção e as uvas utilizadas nos vinhos.
Método tradicional
Para ter o direito de estampar o nome “champagne” no rótulo, é necessário que o vinho tenha sido produzido de acordo com o método tradicional – ou Champenoise – justamente este que começou a ser desenvolvido no século 18 com grande influência de Barbe-Nicole.
Explico de forma simplificada: no método tradicional, o vinho já fermentado é colocado nas garrafas com as leveduras para uma segunda fermentação, com o objetivo de produzir as bolhas que caracterizam o espumante. As leveduras agem para a formação do gás carbônico que causa as bolhas, mas, depois de mortas, elas se tornam um resíduo desnecessário. Aos olhos de um leigo, é como uma areia fina no fundo da garrafa.
Foi a viúva Clicquot quem inventou a técnica da remuage que soluciona o problema. Trata-se de um trabalho manual de movimentação das garrafas para conduzir as leveduras para a área próxima ao gargalo que permite sua retirada ao final do período de fermentação, garantindo a limpidez do líquido. Em vinícolas de todo o mundo é feito, hoje, o mesmo movimento de garrafas que Barbe-Nicole inventou há mais de 200 anos.
Uvas
Poucas uvas são permitidas na região de Champanhe e a grande maioria dos vinhos feitos lá traz uma mistura de apenas três variedades – as tintas pinot noir e pinot meunier e a branca chardonnay – em diferentes proporções, a critério do produtor. Toda a dedicação de Barbe-Nicole aos estudos das características de cada uma destas uvas resultou na “receita” clássica da Veuve Clicquot: todos os vinhos da marca tem a pinot noir como uva principal, acentuando os aromas e sabores característicos desta uva.
O Veuve Clicquot Brut do rótulo amarelo, por exemplo, leva 50% de pinot noir, 20% de pinot meunier e 30% de chardonnay. Já no rótulo “La Grande Dame”, que está entre os mais caros da vinícola, a proporção de pinot noir chega a 90%.
Alguém já disse que “vinhos são poesia engarrafada”, mas no que diz respeito à Champanhe, podemos dizer que é história engarrafada. Uma história que, mesmo não tendo sua melhor versão na tela do cinema, merece toda atenção e admiração.
Beatriz Cavenaghi é jornalista, doutora em Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e sommelière pela Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-SC). @beacavenaghi no Instagram.