Psicólogo fala sobre estigmas que envolvem o suicídio e reflete sobre acolhimento e prevenção

O psicólogo clínico Nelson Junior Cardoso Da Silva, coordenador e professor do curso de Psicologia da Estácio, considera importante iniciativas como o Setembro Amarelo, mas defende que o suicídio seja pauta permanente, durante o ano inteiro.

Especialista em saúde mental e em psicologia humanista, doutor e mestre pela UFSC, Nelson afirma que o suicídio é um “fenômeno multifatorial” e que várias questões alimentam o estigma e o preconceito que envolvem o assunto. Um deles é a relação com falha moral e pecado, que leva a um sentimento de culpa e ao silenciamento.

Nesta conversa, que abre as entrevistas de domingo da coluna, Nelson fala sobre a importância de ambientes acolhedores para pessoas que precisam de ajuda e formas para avançar em políticas de prevenção. Ele também reflete sobre a cobertura da mídia: “O tabu nas redações leva à invisibilidade e impede educação pública. Ao mesmo tempo, uma cobertura descuidada pode contribuir e aumentar o risco de imitação”.

Dados divulgados pelo Ministério Público de SC, que desenvolve o programa Saúde Mental em Rede, apontam que em 2024 o Estado registrou mais de 19 mil casos de tentativa de suicídio, índice de 4,62 para cada mil habitantes.

Você fala que a conversa sobre suicídio deve ser pauta o ano inteiro e não ficar restrita ao mês de setembro. Por quê ainda há tanto estigma e preconceito envolvendo o assunto?
Primeiramente precisamos compreender que o suicídio é um fenômeno multifatorial e está presente na história, desde sempre. Existem diferentes e vários fatores interligados, como, sociais, culturais, saúde, institucionais, comunicacionais, familiar, sofrimento psicológico entre outros. É visto que muitas tradições religiosas e morais ainda tratam o suicídio como falha moral/pecado, o que leva ao sentimento de culpa e a um silenciamento. Outros fatores, como medo e ansiedade social, favorecem a uma ideia que falar abertamente sobre o sofrimento profundo pode remeter a medo de “contaminar” outros, falta de conhecimento sobre sinais, causas e tratamentos mantém mitos fortalecidos no nosso meio, como por exemplo, “quem quer morrer não pede ajuda”.
São representações sociais – fundamentação teórica da minha tese de doutorado – que dominam quando o fenômeno é visto apenas como ato individual (fraqueza, irracionalidade) e não como um resultado de um fenômeno multifatorial, que envolve questões como sofrimento psíquico, condições familiares, sociais, e como falhas dos cuidados, que podem aumentar ainda mais o estigma.
A cobertura midiática sensacionalista e a própria linguagem inadequada podem reforçar mitos. O cenário atual em relação aso serviços de saúde e profissionais, sejam, públicos e privados, é de medo sob a responsabilidade profissional, diante de alguém com comportamento suicida. Muitos profissionais evitam o tema por insegurança legal, medo de errar ou por falta de formação.

Como criar ambientes mais humanos e acolhedores a pessoas que apresentam comportamentos suicidas? O que é mais importante discutir em relação a isso?
A primeira reflexão é: pensando pelo viés dos profissionais de saúde nos serviços de atendimento, buscando priorizar atenção empática, escuta ativa e presença genuína durante a realização do atendimento. Isso diminui o risco imediato e abre caminho para cuidado. Além disso, destaco a importância de treinamentos sobre avaliação de risco, entrevistas motivacionais, planos de segurança e manejo emocional, com supervisão clínica para suportar o desgaste.
Considero importante também procedimentos de triagem e segurança que não desumanizem (evitando contenções/despersonalização quando possível) e que incluam planos de cuidado colaborativos e singularizados. Outro ponto é a redução de barreiras (tempo de espera, burocracia), garantindo seguimento pós-alta (telefonemas, agendamento ativo) .
Mas cito ainda a integração de saberes entre os diferentes profissionais, com atenção nas áreas psicossocial, psiquiatria, enfermagem, psicologia, serviço social e comunidade. A prática no envolvimento da rede de apoio com consentimento, conversas com família/amigos quando apropriado, envolvendo suporte social no plano de segurança. Nas instituições suporte aos profissionais, buscando reduzir culpa, fornecer suporte emocional e políticas que valorizem cuidado relacional.

Quais reflexões que você considera importantes quando a pauta é suicídio na mídia? Há um acordo tácito de evitar o assunto e muito tabu nas redações
O tabu nas redações leva à invisibilidade e impede educação pública. Ao mesmo tempo, uma cobertura descuidada pode contribuir e aumentar o risco de imitação.
Importante seguir diretrizes de reporte seguro, sem descrição de métodos, sem sensacionalismo, com uso de linguagem neutra como “morreu por suicídio” ao invés de “cometeu suicídio”, com inclusão de informações de ajuda/linhas e com histórias de esperança/recuperação.
É essencial contextualizar e não simplificar, evitar explicações redutivas, como por exemplo “culpa do amor”. Importante trazer e apresentar o contexto social, econômico, saúde mental e serviços disponíveis. Entendo que o comportamento suicida, é um fenômeno e não temos uma explicação reducionista a algo que não possuiu uma causa específica.
Trabalhar junto com pesquisadores/serviços, abrir canais entre redações e especialistas para checar informação, obter fontes responsáveis e divulgar recursos úteis, promovendo narrativas de ajuda e resiliência, incluindo caminhos de cuidado, histórias de superação/recuperação e sinais de alerta. Isso reduz estigma e encoraja as pessoas a procurem por ajuda.

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