As manifestações contra a PEC das prerrogativas — ou da blindagem — e da anistia recolocaram o campo progressista nas ruas com um fôlego que não se via há muito tempo. Houve volume, mas também organização. Diferente das mobilizações da oposição, que costumam ser mais descentralizadas, o protesto de ontem partiu de uma engrenagem mais clara, com partidos estruturando materiais e narrativas que depois chegaram à população. Fora do eixo Rio-São Paulo, essa coordenação ficou ainda mais nítida: a comunicação fluiu de cima para baixo, do político para a base.

No ambiente digital, o contraste foi evidente. Entre deputados federais, a direita não encontrou uma narrativa consistente para disputar o dia. Nikolas Ferreira foi praticamente o único a oferecer resistência, com um vídeo de 14 minutos que acabou rotulado como “conteúdo sensível” pela Meta. Mesmo abaixo da média de suas melhores publicações, ele concentrou 72% de todo o engajamento dos parlamentares de direita. Mas Nikolas foi um movimento isolado.
(Ia colocar o post de Nikolas aqui, mas acabei de descobrir que posts rotulados como sensiveis não podem ser incorporados)
Na esquerda, o cenário foi oposto. Guilherme Boulos foi o grande protagonista, com mais de nove publicações, a melhor delas chegando a 190 mil curtidas. Lindbergh Farias(PT), Sâmia Bomfim(PSOL), Tabata Amaral(PSB), Talíria Petrone(PSOL), Fernanda Melchionna(PSOL), Túlio Gadêlha(REDE), Henrique Vieira(PSOL), Duda Salabert(PDT) e Erika Hilton(PSOL) estiveram entre os nomes que mobilizaram maior engajamento. A presença digital foi ampla, distribuída e majoritariamente criada na rua.
Ainda assim, vale notar um ponto importante: o PT, mesmo em um contexto altamente favorável, teve dificuldade em transformar essa conexão em repercussão proporcional. Além de Lindbergh, apenas Gleisi Hoffmann alcançou números relevantes, com um carrossel que passou de 60 mil interações — e em uma peça em que ela sequer aparecia em primeiro plano. O resultado reforça uma tendência já conhecida: na disputa digital, PSOL, Rede e outros partidos progressistas têm ocupado o protagonismo, enquanto o PT ainda enfrenta imensa dificuldade.
O ranking dos conteúdos do dia é ilustrativo. Nikolas teve o melhor post individual, mas os vinte seguintes entre deputados foram todos favoráveis às manifestações. O centro permaneceu silencioso. A direita, sem um enquadramento comum, não conseguiu oferecer alternativa de narrativa.
Esse quadro revela algo maior do que um bom ou mau desempenho momentâneo. Mostra que a esquerda voltou a combinar rua e rede de forma coordenada, transformando presença física em discurso digital. Mostra também que a direita, quando não encontra uma linha de oposição clara, perde capacidade de disputar espaço simbólico. E mostra, por fim, que há diferenças internas importantes: o prestígio institucional do PT não se converte em engajamento, enquanto partidos menores encontram mais facilidade em dialogar com a linguagem das plataformas.
As manifestações de ontem marcaram mais um avanço nas ruas pelo campo progressista. Nas redes, evidenciaram a força de quem chegou com organização e clareza de discurso — e a fragilidade de quem ainda procura uma forma de dialogar com a população.