Júlia Andrade Ew escreve artigo sobre a origem e atuação da Unidade Popular pelo Socialismo (UP), destacando seu crescimento, luta pelos direitos dos trabalhadores, e críticas ao sistema eleitoral brasileiro que favorece partidos estabelecidos, excluindo partidos populares.
“Precisamos de renovação”, “Os partidos de esquerda se afastaram da periferia”, “eu não gosto de política”. Esses são exemplos de frases que ouvimos recorrentemente nas ruas quando o assunto é a política brasileira. São sintomas de uma realidade: a falta de identidade da maioria do povo com a política institucional. Mas esse é apenas um lado da moeda.
Preocupados com as consequências da falta de protagonismo da esquerda já nas manifestações de junho de 2013, diferentes movimentos sociais populares decidiram criar uma ferramenta que disputasse a consciência da maioria empobrecida, frustrada com a esquerda institucionalizada e assediada por organizações de extrema direita.
Assim nasce a Unidade Popular pelo Socialismo (UP): um partido que coletou, sem financiamento, por meio de militância voluntária de mulheres, jovens, sem-teto e moradores de periferia, 1 milhão e 200 mil assinaturas para sua legalização, nos anos de conjuntura política mais acirrada e de uma verdadeira campanha “anti-política” promovida pela extrema-direita. Fizemos o que nem Bolsonaro, já presidente da república e com poderosos financiadores conseguiu: registrar um novo partido político após a “reforma eleitoral” de 2015.
A UP, registrada oficialmente em 2019 com o número de legenda 80, participa agora da sua terceira eleição. Fomos em 2020, 2022 e novamente em 2024 o partido com maior número de candidaturas femininas, negras e jovens, proporcionalmente. Com destaque para 2022, em que uma chapa inteiramente negra foi apresentada pela Unidade Popular para a presidência da república e 2024, em que a UP tem 3 vezes mais candidatos negros que a média dos outros partidos.
Vemos aqui um partido que consegue refletir não apenas a composição da classe trabalhadora brasileira, mas principalmente o programa construído por esta ao longo de séculos de lutas.
A UP retoma em sua prática cotidiana e nos processos eleitorais bandeiras históricas que foram secundarizadas, como as reformas urbana e agrária com demarcação dos territórios indígenas e quilombolas, a luta por memória, verdade, justiça e reparação para as vítimas de crimes de Estado de ontem e de hoje, a suspensão do pagamento e auditoria da dívida pública, redução da jornada de trabalho com aumento do salário mínimo, reestatização das estatais privatizadas e democratização dos meios de comunicação. Tudo isso com o horizonte claro de construção do socialismo.
Nos últimos anos a UP foi também o partido que mais cresceu proporcionalmente, alcançando uma progressão de 89% em relação ao número de filiados. Mas isso é sistematicamente escondido da população pelos grandes meios de comunicação.
O sistema eleitoral privilegia os partidos já estabelecidos no Congresso Nacional e exclui a participação de partidos populares. Fortunas são destinadas para os mesmos de sempre, enquanto a UP não tem acesso a nenhum centavo do fundo partidário e a menor parcela do fundo eleitoral. Grandes meios de comunicação optam por excluir a UP dos debates, sob a desculpa de ainda não termos representação no congresso. Seria isso verdade? A lei orienta que deve ser assegurada a participação de candidatos dos partidos com representação no Congresso Nacional, de, no mínimo, cinco parlamentares.
Mas em momento algum proíbe que se convide todos os candidatos para apresentar suas propostas. Quem não lembra, na última eleição presidencial, da participação do “Padre Kelmon”, candidato laranja bolsonarista, participando nos debates das grandes emissoras de TV, enquanto Leonardo Péricles (UP) foi impedido de participar? Ou mesmo na atual eleição municipal, que em São Paulo Pablo Marçal (PRTB), o “coach” bolsonarista, de um partido que não possui representação na Câmara dos Deputados, tem todos os holofotes da grande mídia voltados para si enquanto Ricardo Senese (UP), um metroviário que tem propostas consequentes e profundas não é chamado para nenhum debate? Qual é o critério? Isso sem mencionar a ausência de democracia no acesso ao programa eleitoral obrigatório, no qual a Unidade Popular, por não ser um racha de outro partido e ser uma expressão original dos trabalhadores organizados, não pode contar com nem um segundo de TV e Rádio para expor seu programa.
Por outro lado, essa condição extremamente desigual não desanima os militantes do partido das lutas. Pelo contrário: tu vais nos encontrar nas praças, nas favelas, no transporte público, ocupações urbanas, portas de fábricas e empresas sempre com a disposição que nos caracteriza e que nos possibilita crescer em terreno adverso. Nessas eleições, em Florianópolis, estamos apresentando nosso programa através da candidatura de Amanda Wenceslau (80.123), a única jovem preta disputando um assento na câmara de vereadores na cidade, e do Professor Pedro (80.000), trabalhador da educação na rede estadual.
Essas candidaturas são apoiadas por movimentos que constroem a UP, como o Movimento de mulheres Olga Benario, o Movimento Luta de Classes (MLC) e o MLB, Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, conhecido pelas campanhas nacionais de ocupações contra a fome. No último 7 de setembro, na ocupação da rede Carrefour na campanha “Pátria sem Fome”, o MLB conquistou 13.500 cestas básicas para famílias sem teto. Em Florianópolis, o MLB constroi a ocupação Anita Garibaldi, que após 3 anos de luta, conquistou o terreno para a construção do Habitacional Anita Garibaldi, fazendo mais pelo combate ao déficit habitacional do que as últimas gestões da prefeitura.
A legalização e atuação da Unidade Popular comprova que os trabalhadores têm disposição para se organizar de forma independente enquanto classe, superando o personalismo político e arregaçando as mangas para realizar a tarefa que é impossível de terceirizar para o parlamento: mudar a correlação de forças real entre as classes no Brasil.
Como diz a música, quem ama o passado não vê (e não quer que vejam!) que o novo sempre vem. Mas ele vem, a verdadeira novidade brota das vielas, luta com a independência e ousadia típicas de um povo que não tem nada a perder, mas tudo a conquistar. Essa novidade chama-se Unidade Popular pelo Socialismo e está de portas abertas para quem tem disposição de lutar por uma mudança radical em Florianópolis e no Brasil.
Júlia Andrade Ew é presidente estadual da Unidade Popular pelo Socialismo.