“Quero ver Santa Catarina com uma indústria cinematográfica forte”, diz cineasta Fabio Cabral

O fotógrafo e cineasta Fabio Cabral está lançando o longa “Uma questão de escolha”, que entra no circuito nacional em maio de 2026, com distribuição pela paulista A2 Filmes. Com locações em Florianópolis e na serra catarinense, o filme é protagonizado pela atriz florianopolitana Juliana Lourenção, intérprete de Andréa, que vive um relacionamento abusivo.

Cabral, que fez incontáveis capas para revistas como Playboy, Vogue, Marie Claire, Elle e Veja – além de campanhas publicitárias icônicas -, mora em Florianópolis desde 1996.

Na fase atual, sua meta é dedicação ao cinema catarinense. E não só na viabilização de projetos pessoais para levar às telas histórias catarinenses. Mas também para concolição de uma indústria audiovisual no Estado.

Na entrevista deste domingo, Cabral fala sobre o novo filme, lembra das fotografadas famosas que mais o impressionaram e detalha o modelo que defende para financiamento de um mercado cinematográfico em Santa Catarina.


Como surgiu a ideia de contar essa história de “Uma questão de escolha” (trailer abaixo)?
Essa história nasceu de um argumento que criei há cerca de 12 anos com a intenção de fazer um branded content para a Harley-Davidson que fazia referência ao filme Easy Rider, um filme que marcou muito a minha geração: dois homens que renunciaram a algumas coisas e saem de moto em busca de liberdade. Com o tempo, a ideia original foi evoluindo. E sempre tive um olhar voltado ao universo feminino. A minha vida sempre foi com mulheres e minha fotografia é dedicada à beleza da mulher. Quis contar uma história em que a mulher rompe com as limitações impostas historicamente — essa “panela com tampa” que a sociedade sempre colocou sobre ela.

Quais os teus planos em relação ao mercado audiovisual?
Quero consolidar uma indústria audiovisual em Santa Catarina, com foco em entretenimento e mercado, não em filmes de ego. Levantar a bandeira do cinema catarinense. Falta, no entanto, uma linha de fomento estadual grande, séria, robusta, instituída pelo governo. Estou na batalha para que isso aconteça. O governo viraria um coprodutor da obra, além de se beneficiar do impulso ao turismo. Minha vontade não é a criação de mais uma bolsa-cinema, e sim uma indústria cinematográfica forte, consolidada, pujante no nosso Estado. Coisa que nós não temos. O eixo de produção é São Paulo e Rio, e agora Pernambuco, por causa do Kleber Mendonça (diretor de “Aquarius”, “Bacurau” e “O Agente Secreto”).

Qual o modelo que você defende?
Acredito que o governo estadual poderia lançar uma linha direta de fomento à produção audiovisual catarinense. Não por meio de edital nem renúncia fiscal. Seria um fundo destinado a produzir uma média de quatro a cinco longa-metragens por ano bancados inicialmente pelo governo, com argumentos genuinamente catarinenses. Eu, por exemplo, tenho quatro ou cinco projetos já desenvolvidos. Um deles é “O Banho da Imperatriz”, sobre a visita de Dom Pedro II e Teresa Cristina a Santo Amaro da Imperatriz. É uma história riquíssima. Temos inúmeras tramas catarinenses esperando para ser contadas. Além disso, é preciso conscientizar o empresariado a investir no setor. O cinema movimenta muita gente — uma produção envolve cerca de 100 profissionais diretos e gera impacto econômico significativo. O cinema é também uma vitrine turística. Veja a repercussão de filmes como “Vicky Cristina Barcelona” para a cidade espanhola. Por que não fazer isso com Santa Catarina?

De que forma teu olhar como fotógrafo influenciou a linguagem e a estética do filme?
Levei para o filme justamente a forma de contar histórias através da imagem. Tenho oito livros de fotografia publicados. A fotografia que eu sempre fiz morreu nos anos 2000, com a queda da mídia impressa. Como eu já filmava como diretor de fotografia desde 1994, então a transição para o audiovisual foi natural. Fiquei cinco anos nos EUA, expondo e trabalhando com arte fotográfica e voltei ao Brasil em 2016 para dois trabalhos importantes: um livro sobre o icônico hotel Copacabana Palace, a convite do grupo Belmond, e a coordenação de uma campanha política aqui em Florianópolis. Fui chamado não por ser marqueteiro, mas justamente por ter esse olhar de dramaturgia. Transformei a campanha em uma espécie de série com narrativa cinematográfica — e deu certo.

Você já perdeu a conta de quantas modelos e atrizes já fotografou ao longo da carreira para revistas como Playboy, Veja, Elle etc. Quais impressionaram mais, cresciam diante das câmeras?
Entre as atrizes que fotografei, muitas me impressionaram pela entrega, mas duas me marcaram profundamente: Sônia Braga e Ana Paula Arósio. São de gerações diferentes, mas ambas me devolveram a mesma força e expressão diante da câmera. A Sônia, inclusive, me ensinou muito sobre direção e fotografia. Convivemos bastante em Nova Iorque nos anos 1990, quando ela não se deixava fotografar por nenhum brasileiro havia quase dez anos. É uma pessoa maravilhosa e de uma profundidade artística incomparável. Outra mulher especial foi Tônia Carrero, com quem tive uma amizade intensa. Ela era uma mulher à frente do seu tempo, profunda e divertida. Viramos grandes amigos — às vezes ela me ligava de madrugada para conversar e abrir uma garrafa de uísque. Foi uma das pessoas que mais me ensinou sobre vida e arte.

Como você vê a criação da Autoral, distribuidora catarinense fundada pelo empresário Felipe Didoné?
Espetacular. A Autoral é a semente de uma distribuidora catarinense levando filmes daqui para o Brasil e para o mundo. Meu sonho é que a Autoral distribua todos os filmes que eu fizer. Assim, não precisamos depender de São Paulo ou Rio. O Felipe começou como exibidor, agora está como distribuidor. E falei para ele se transformar num produtor. Quero incentivar empresários a serem produtores, que são aqueles que olham para o filme como um business, um negócio. Quero ver Santa Catarina com uma indústria cinematográfica forte, consolidada e pujante, capaz de gerar cultura, economia e identidade.

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