Radar é política pública, não arrecadação. Por Sílvio Médici

Artigo de Sílvio Médici, Presidente executivo da Associação Brasileira das Empresas de Engenharia de Trânsito

A decisão recente da Justiça Federal que determina a liberação de R$ 150,2 milhões para o restabelecimento do Programa Nacional de Controle Eletrônico de Velocidade (PNCV) reconhece que a fiscalização eletrônica salva vidas, reduz custos ao Estado e cumpre compromissos internacionais de segurança no trânsito.

Desde 2011, os radares operados sob contrato com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) demonstram eficácia incontestável. Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) mostram que, antes da implantação dos equipamentos, as ocorrências com mortes cresciam de forma vertiginosa: 6,6 mil em 2007 e 8,5 mil em 2011. No ano seguinte, com a entrada em operação do sistema, iniciou-se uma trajetória de queda constante, chegando a 5,1 mil em 2018. A curva de acidentes graves acompanhou o mesmo padrão de redução.

O estudo “Efeito Radar – DNIT/PRF”, de 2019, confirmou o impacto direto dos controladores de velocidade na diminuição de acidentes fatais e com feridos graves em todos os estados. Em locais fiscalizados, houve redução superior a 80% nas ocorrências, como nos estados da Bahia, Rio Grande do Sul e Goiás. Os resultados coincidem com as conclusões de organismos internacionais. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) demonstrou que os radares reduzem em até 60% o número de mortes nas vias e que cada equipamento pode prevenir, em média, três óbitos e 34 acidentes por ano.

O Brasil tem um desafio civilizatório diante de si. Segundo o Ministério da Saúde, 34,8 mil pessoas morreram em 2023 em decorrência de acidentes de trânsito. É como se, a cada ano, perdêssemos a população de uma pequena cidade. O World Life Expectancy mostra que os sinistros viários já são a sétima maior causa de morte no país. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que uma redução de apenas 5 km/h na velocidade média resulta em 30% menos colisões fatais.

Além do impacto humano, há o custo econômico. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) estimou que os acidentes de transporte geraram, entre 2007 e 2018, um prejuízo de R$ 1,15 trilhão ao Brasil — valor superior ao orçamento anual da saúde. Cada morte ou ferimento grave representa despesas médicas, previdenciárias e judiciais, além da perda de produtividade. A prevenção, portanto, é também uma questão de responsabilidade fiscal.

O desligamento dos radares, em 2019, revelou o preço da omissão. Segundo levantamento da organização SOS Estradas, os acidentes com óbitos e feridos aumentaram 132% durante os meses em que a fiscalização foi suspensa. A correlação é direta: onde há controle de velocidade, há menos tragédias. Onde o radar é desligado, o risco cresce.

As metas do Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS) e da Década de Ação pela Segurança no Trânsito da ONU são claras: reduzir em 50% as fatalidades até 2030. O cumprimento desse compromisso depende de políticas públicas consistentes, e a fiscalização eletrônica é uma das mais eficazes. Mesmo assim, o programa segue sujeito a incertezas orçamentárias, afetando empresas que prestam serviço público essencial e comprometendo a continuidade de uma política de Estado.

É importante lembrar que a maioria da população apoia os radares. Pesquisas do Ibope (2002) e do Instituto Paraná Pesquisas (2019) mostram que mais de 70% dos brasileiros consideram a fiscalização de velocidade necessária para evitar acidentes. A sociedade já compreendeu o que parte do poder público ainda hesita em admitir: radar não é sinônimo de punição, mas de proteção.

Os contratos do DNIT com as concessionárias são superavitários e não comprometem o orçamento federal. A decisão judicial recente, ao assegurar recursos para o PNCV, devolve previsibilidade ao setor e segurança jurídica às operadoras. O país não pode permitir que vidas sejam colocadas em risco por contingenciamentos de curto prazo.

A cada dia de atraso na execução dessa política, o Brasil se afasta das metas globais e condena famílias a perdas irreparáveis. A fiscalização eletrônica é uma ferramenta de engenharia de tráfego que cumpre papel técnico e social. Ela organiza o comportamento dos condutores, protege os mais vulneráveis e representa, em última instância, a presença do Estado onde a vida precisa ser preservada.

Manter o PNCV ativo e estável é, portanto, um imperativo moral, econômico e civilizatório. O radar não é instrumento de arrecadação, mas de cuidado. Ele traduz, em números e resultados, o compromisso de um país que decide proteger seus cidadãos antes que seja tarde demais.

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