Artigo de Haneron Victor Marcos, doutor em Gestão Pública e Governabilidade

Eis que foi anunciado mais um pacotão de projetos de lei enviados pelo Governo do Estado de Santa Catarina à ALESC.
Novamente, uma ausência ilustre: a regionalização do saneamento, exigência da Lei Nacional de Saneamento Básico – LNSB (Lei n. 11445/2007) para garantir segurança jurídica e escala aos contratos, subsídios cruzados, acesso a recursos federais, e um ambiente sinérgico apto à universalização dos serviços.
Esse “ruidoso silêncio” vem alimentando um vórtice que circunda o tema saneamento, no qual fluem os mais variados atores, como lobistas, pré-candidatos, opositores e especuladores.
Até hoje, com o “tic-tac” do relógio cada vez mais anunciando a chegada do termo final (31/12/2025), nenhum Governador galgou além da mera formalidade protocolar de apresentação de uma proposta legislativa; foi assim com o Governador Moisés com o PLC n. 1.8/2022, e foi assim com o Governador Jorginho Mello com o PL n. 040/2023. Dada a complexidade e polêmica do tema, é necessário ir além do protocolo, é preciso evidenciar a efetiva determinação de quem lidera.
Entre o recolhido PL n. 040/2023 e a pretensão governamental de apresentar novo projeto, houve um vácuo preenchido pelo PL 231/2025, que não resolve a brecha pública da regionalização, e revela uma ideologização pró-privatização direcionada aos maiores e lucrativos sistemas, focado que está para as concessões administradas pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN, que deveria, segundo o plano, renunciar seus superavitários contratos sem sequer uma garantia de indenização plena.
A retórica, que ganha alimentação midiática, parte de uma perspectiva de cobertura de esgotamento sanitário de 35% constatada pelo SINISA, enquanto o IBGE, atento à conformação geopolítica catarinense, anunciou pelo Censo de 2022 que 89,2% dos catarinenses moram em casas com sistema coletivo ou individual de coleta e tratamento. Esse era o título do artigo de Júlia Venâncio publicado no Diário Catarinense, em 3 de março de 2024: “SC ultrapassa média nacional e se torna o quarto estado com maior coleta adequada de esgoto”.
Inobstante os operadores catarinenses se apresentem em débito com a população, com reclamada melhora na eficiência, e inobstante 0,03% da população não tenha acesso à banheiros ou sanitários, ou mesmo diante do fato de que 66 escolas não tenham água potável, não estamos em ambiente de terra arrasada.
E como assim “operadores”? Sim, operadores! A CASAN deve ser chamada a responder pelo histórico e pelas soluções ao desafiador futuro; mas não é o único. Hoje ela atende aproximadamente 40% da população. Então, percebemos que o “Programa de Saneamento Catarinense” (PL n. 231/2025) ignora os atendentes de 60% da população catarinense, que sustentam índices – dentro da análise estadual – inferiores aos apresentados pela companhia estadual. Esse enviasamento tem nome: privatização, que em Santa Catarina é pródiga em descumprimentos de contrato e denúncias de corrupção.
Se puxarmos a “capivara”, não serão poucas as prisões ocorridas nos últimos anos. O SINTAEMA-SC compilou as principais denúncias de corrupções vistas na história recente: https://www.sintaema.org.br/site/2019/07/02/levantamento-denuncias-de-corrupcao-em-sistemas-municipalizados/.
Não se trata de satanizar a participação privada. Ainda que o saneamento, classificado como um direito humano, mereça o protagonismo estatal distante da perspectiva do lucro, não implica desprezarmos a possibilidade de comunhão de esforços, como aqueles possíveis em parcerias público-privadas. Trata-se de reconhecer que a privatização nos moldes até então implementados não responderam às promessas, o que era previsto frente ao mundial fenômeno da reestatização, que impulsionou os grandes fundos transnacionais ocultos em nomes empresariais buscarem novos mercados.
Mas toda exigência por resultados, seja ela governamental ou popular, encontrará justificativa na inexistência de segurança jurídica, que passa pela regionalização. E essa claudicante postura estadual aos poucos trará a atenção do Governo Federal, que tem a competência subsidiária de estabelecer blocos de referência, nos termos da LNSB. Há, aliás, um precedente: o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional promoveu a criação do Bloco de Referência do Vale do Jequitinhonha (MG), com 96 municípios.
A LNSB dispõe que a União “estabelecerá” (como um dever) “de forma subsidiária aos Estados, blocos de referência para a prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico” (art. 52, §3º). Diante da iminência do prazo fatal para novos e danosos efeitos práticos, como os relacionados ao acesso a recursos federais (31/12/25, de acordo com o Decreto Federal n. 11599/2025), estará o Governo do Presidente Lula atento a essa igualmente iminente necessidade de intervenção? Não suficiente a polêmica recente do Porto de Itajaí, estará o Governador Jorginho Mello disposto a arriscar essa legítima intervenção e pagar o preço político relacionado?
Veremos nos próximos e reveladores capítulos. Ao cidadão catarinense, alheio aos meandros da política e atento à dura realidade cotidiana, segue interessando a universalização com qualidade e modicidade tarifária.