Regionalização do saneamento em Santa Catarina: urgência, método e coragem. Por Aderson Flores

Artigo de Aderson Flores, Conselheiro do Tribunal de Contas de Santa Catarina

O Tribunal de Contas realizou, recentemente, em conjunto com a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Santa Catarina (OAB-SC), o 4º Seminário Desenvolvimento e Infraestrutura – Parcerias e Inovações, quando presidi mesa de debates sobre a regionalização do saneamento em Santa Catarina, contemplando palestras de especialistas no assunto.[1]

O tema talvez seja um dos mais prementes e atuais com que o gestor público se depara, porque o Marco Legal do Saneamento,[2] aprovado em 2020, estabeleceu metas ousadas: 99% da população com acesso à água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto, até 2033. Cinco anos se passaram. Restam apenas oito anos para cumprir essas metas. O relógio corre, e a pergunta é: estamos preparados?

A resposta é que, infelizmente, ainda não. Em Santa Catarina, apesar de 89,59% da população ter cobertura de água, apenas 33,97% dos catarinenses estão ligados à rede de esgoto. 23 estados brasileiros já avançaram em seus modelos de regionalização. Permanecer inerte, além dos prejuízos sociais decorrentes, significa perder acesso a recursos federais, encarecer investimentos e comprometer e competitividade econômica.

No que diz respeito ao aspecto humano, levantamento realizado pelo Tribunal[3] evidencia que a ausência de saneamento básico compromete a saúde de diversas formas. São milhares de internações anuais decorrentes de doenças de veiculação hídrica,[4]havendo relação direta entre as doenças intestinais inflamatórias e infecciosas — principal causa de mortalidade entre crianças menores de cinco anos — e a falta de higiene, a baixa qualidade da água e a inexistência de redes adequadas de esgotamento; e, ainda, devido ao aumento da propagação de enfermidades transmitidas por inseto vetor, como o mosquito Aedes aegypti. Se não bastasse isso, a deficiência em saneamento também atinge a educação: segundo dados do IBGE, jovens sem acesso a esse direito apresentam, em média, atraso escolar de 2,07 anos em relação àqueles que vivem em áreas atendidas por serviços de saneamento.

Para superar esse desafio, o novo marco legal do saneamento tem a regionalizaçãocomo princípio, com o objetivo de assegurar ganhos de escala e eficiência. A prestação regionalizada permite diluir custos, atrair investimentos privados, uniformizar padrões regulatórios e garantir tarifas mais justas, fazendo com que municípios menores aliados a outros maiores façam frente às demandas do setor. Em suma, regionalizar não é um fim em si mesmo; mas um meio para entregar os resultados(água e esgoto)à população.

O Estado vive um momento decisivo. A expectativa é aprovar a lei estadual de regionalização ainda em 2025. Essa lei será a base para organizar blocos ou unidades regionais, definir a forma de governança interfederativa, estabelecer regras regulatórias e criar condições para atrair investimentos estimados em até R$ 50 bilhões na próxima década.

Mesmo depois de aprovada a lei, ainda há muito a fazer! Há necessidade de organizar as unidades regionais/blocos de municípios; estruturar a prestação do serviço diretamente, a concessão e/ou parcerias público privadas; montar carteiras de projetos e estabelecer cronogramas de metas com mecanismos de monitoramento público; reforçar o papel das entidades reguladoras, com uniformização dos padrões de qualidade e indicadores. Em síntese: o tempo urge!

Em Santa Catarina, temos uma janela de oportunidades, que precisa ser bem aproveitada, porque nosso estado tem uma realidade bastante desafiadora. Para além da necessidade da aprovação da lei, ao mesmo tempo, o debate exige qualidade técnica, englobando questões importantes, como o modelo a ser utilizado,por exemplo, o de blocos/unidades regionais(em vez de microrregiões, que podem sofrer contestações);[5]  e a governança municipalista, de forma a propiciar a autonomia municipal e o controle sobre os serviços (efetiva participação e protagonismo dos municípios).

Para além disso, quero tratar da atuação do Tribunal de Contas, atento à regionalização do saneamento. Temos uma relatoria temática do meio-ambiente, que é exercida de forma muito efetiva pelo conselheiro José Nei Ascari. Em um dos levantamentos sobre o assunto, o Tribunal elaborou um diagnóstico sobre a adequação dos municípios às metas de universalização dos serviços de água e esgoto,[6] verificando a situação em cada um deles.

Temos, também, um painel denominado saneamento básico, disponível na ferramenta Farol TCE, que contém dados sobre a cobertura de abastecimento de água e esgoto sanitário, no estado, e em cada um dos 295 municípios catarinenses. Essa é uma excelente ferramenta de transparência e de acompanhamento dos dados existentes, propiciando controle social.

E, nas licitações municipais, seja por provocação seja por iniciativa própria, sinalizamos como falha a ausência de avaliação da prestação regionalizada. Também reforçamos, nas Contas do Governador,[7] a importância de implementar os princípios do Marco Legal do Saneamento, além de recomendar a realização de audiências públicas para garantir a efetiva participação social. Controle, aliás, não é obstáculo à velocidade, mas condição para a velocidade certa, aquela que evita retrabalho e assegura qualidade.

Enfim, esses são alguns dos meios pelos quais o Tribunal de Contas vem enfrentando a questão, sendo que, talvez, um dos principais seja a realização do seminário, onde tivemos a oportunidade de, sem a pretensão de esgotar o assunto, ouvir diferentes perspectivas e buscar pontos de convergência que fortaleçam a governança do saneamento em Santa Catarina.

Gosto de lembrar uma cena de um filme de que gosto muito: “De volta para o futuro”, que retrata o espanto dos protagonistas ao perceber como pequenas decisões moldam o amanhã. O impacto que as nossas ações têm nele. O que for realizado a partir deste ano no saneamento em Santa Catarina, terá grande impacto futuro, inclusive na economia. Entregar um Estado melhor aos nossos filhos e às próximas gerações é mais que um objetivo: é uma escolha e um dever!


[1] Ramiro Zinder, especialista em Parcerias Público Privadas – PPPs e Concessões; Onésimo Sell, representante da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) e diretor-presidente do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) de Jaraguá do Sul; Estêner Soratto, prefeito de Tubarão e representante da Federação Catarinense de Municípios – FECAM; Diogo Vitor Pinheiro, diretor jurídico da Assemae e procurador do Serviço Municipal de Água, Saneamento Básico e Infraestrutura (Semasa) de Itajaí.

[2] Lei nº 14.026/2000.

[3] LEV-23/80085336.

[4] Segundo dados do Instituto Trata Brasil, em 2024, foram 344 mil internações.

[5] Conforme aconteceu com a Lei Estadual da Bahia, questionada por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6339.

[6] LEV-23/80059920.

[7] PCG 24/00590502 – Prestação de Contas do Governo do Estado de Santa Catarina relativa ao exercício de 2024, de relatoria do Conselheiro Luiz Eduardo Cherem, apreciadas em 4 de junho de 2025.

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